CD em foco

FÁBIO CURY, fagote

VELHAS E NOVAS CIRANDAS

música brasileira para fagote e orquestra

 

orquestra amazonas filarmônica, Luiz Fernando Malheiro e Marcelo de Jesus (regentes)

 

  ANDRE MEHMARI

 

Concerto para fagote, cordas e harpa (2009)

    1 - burlesque
      2 - lamento
      3 - fagode, pacote
  ANTONIO RIBEIRO
  Concertino para fagote e orquestra de câmara (2008)
      4 - andante, muito expressivo
      5 -rápido
  MOZART CAMARGO GUARNIERI
  Choro para fagote e orquestra de cordas (1991)
      6 - improvisando, calmo

    7 - allegro

 

HEITOR VILLA-LOBOS
      8 - ciranda das sete notas (1933)
   
 

do encarte do CD: (texto de Fábio Cury)

 

O propósito deste projeto foi o de compor um disco com peças inéditas. Para tanto, registramos duas obras que nos foram dedicadas:  Concerto para fagote, harpa e cordas, de André Mehmari, e  Concertino para fagote e orquestra, de Antonio Ribeiro. Também inédito em gravações, integra este registro o Choro para fagote e orquestra de câmara, de Camargo Guarnieri, que é objeto de nossa tese de doutorado na Universidade de São Paulo.

Ao lado, contudo, dessas três obras inéditas, decidimos incluir também, em contrapartida, a mais conhecida peça brasileira do gênero: a Ciranda das sete notas, de Heitor Villa-Lobos.

As composições de Villa-Lobos e Guarnieri são uma boa amostra do estilo de cada um destes mestres consagrados e das marcantes diferenças que os distinguem.

A Ciranda mostra o estilo mais espontâneo de Villa, em que não parece haver um planejamento estrutural  nem uma preocupação formal prévia, compondo-se a obra de uma sequência de seções de relativa independência, encadeadas livremente segundo o imaginário de inspiração fortemente melódica do compositor e tendo como elemento unificador mais forte o motivo de sete notas que aparece logo no início e retorna na última parte da composição.

No que se refere mais especificamente à interpretação, procuramos dosar a flexibilidade rítmica, que se apresenta como ponto mais controverso nas gravações existentes, de forma a conferir-lhe um aspecto mais nacional sem, todavia, descaracterizar-lhe a estrutura. Desta forma, os momentos de maior liberdade são aqueles em que a textura da obra permite tal artifício, como o início, em que o solista é acompanhado apenas por acordes curtos das cordas.

Tendo em vista o testemunho do fagotista Noel Devos, que tocou a obra para o compositor, cabe ainda uma observação referente à seção final: o meno que se encontra notado em seu início não faz alusão à parte imediatamente anterior, em que o solista se encontra inicialmente acompanhado apenas por um contrabaixo, mas sim à valsa, o ¾, que aparece duas vezes antes disso. Portanto, o andamento dessa seção deve ser fluente, ainda que seu caráter seja marcadamente seresteiro.

Se a Ciranda de Villa nos toca pelo lado mais emocional, o Choro de Guarnieri chama atenção pela elaboração intelectual. Como de hábito em sua produção, o terceiro compasso desta obra, o primeiro em que a linha do solista se movimenta, apresenta a célula sobre a qual todo o desenvolvimento motívico será estruturado. Ao contrário do que acontece na Ciranda, fica aqui evidente um plano preestabelecido de composição que faz com que nenhum detalhe seja incluído ao acaso.

A palavra choro também é empregada por Guarnieri com uma acepção diferente daquela usada por Villa. No caso do primeiro, designa, quase sempre, uma peça para instrumento solista e orquestra que se apresenta com uma forma tradicional. No que tange ao segundo, o termo é aplicado indistintamente para obras com as mais diversas formações e empregado sob o pretexto de nomear um gênero brasileiro inédito, mas que, na verdade, cumpre a função de intitular peças de grande liberdade formal que não se enquadrariam em nenhuma das categorias tradicionais.

O Choro constitui-se de dois movimentos: o primeiro, de inspiração eminentemente seresteira, é precedido de uma seção em recitativo; já o segundo é uma estilização de ritmos nordestinos como o baião e o xaxado, em cuja interpretação a acentuação desempenha um relevante papel. Ambos têm a forma de uma sonata monotemática.

A revisão dessa obra ficou a cargo de Antonio Ribeiro, aluno de Guarnieri em seus últimos anos. Uma vez que o Choro foi a última composição de seu professor e estando este com a saúde já bastante debilitada, alguns desacertos acabaram resultando na partitura.

Quando tocamos pela primeira vez a versão de Ribeiro, com a Orquestra Sinfônica da USP, em 2003, surgiu-lhe a idéia de escrever um concerto próprio, que foi concluído em 2008.

Este professor e compositor tem sido considerado pela crítica um dos mais atuantes e respeitados compositores de sua geração. Em seu catálogo de obras, figuram aproximadamente oitenta peças, escritas para formações diversas, que vão desde o piano solo, passando pela música eletroacústica, até a orquestra sinfônica. Possui obras gravadas em sete CDs e em um DVD, em programa-documentário realizado em 2003, pela Rádio e Televisão Cultura. Participou em 2003 e em 2007 da prestigiosa Bienal de Música Contemporânea Brasileira no Rio de Janeiro, edição em que recebeu o Prêmio Funarte de melhor compositor de obra vocal.

O autor assim se expressa em relação a seu Concertino:

“O Concertino para Fagote e Orquestra possui dois movimentos e orquestração reduzida. São previstas cordas, flauta, oboé, clarinete e par de trompas, além do solista. O primeiro movimento é uma releitura do ambiente seresteiro urbano com uso da tonalidade expandida. Cabe ao fagote exibir linhas baseadas no melodismo próprio da seresta que, no entanto, são constantemente deformadas para a obtenção de perfis melódicos angulosos e desafiadores para o instrumentista. O segundo movimento explora o fagote em suas diversas possibilidades de articulação e extensão. Há um intenso diálogo entre o solista e os demais instrumentos de sopro que atuam quase como co-protagonistas. A obra encerra com uma longa e virtuosística cadência na qual são citados os principais elementos temáticos apresentados ao longo dos dois movimentos. O Concertino foi composto entre o fim de 2008 e o início de 2009 e é dedicado ao extraordinário fagotista Fábio Cury.”

Pianista, arranjador, compositor e multiinstrumentista, André Mehmari é apontado como uma das revelações da música brasileira recente e premiado tanto na área erudita (Concurso Nacional de Composição Camargo Guarnieri) quanto popular (Prêmio Visa, Nascente-USP).

Mehmari já nos havia dedicado duas outras obras: o Choro breve e as Variações Villa-Lobos, gravadas pelo Opus Brasil Ensemble em disco do selo Meta Cultural. Sobre seu Concerto para fagote, harpa e cordas faz o seguinte comentário:

“Composto em três movimentos, em janeiro de 2009, o concerto apresenta um vasto gestual fagotístico, percorrendo a tessitura do instrumento e explorando seus recursos expressivos. A obra é dedicada ao virtuoso Fábio Cury.

 

Em Burleske, o caráter giocoso e bem humorado é predominante. A vivacidade rítmica das cordas emoldura as peripécias do solista que oscila entre rápidas escalas e saltos. Lamento traz o lirismo pungente do registro agudo do fagote, numa quase toada barroca.  Fagode, Pacote é o movimento mais desafiador tecnicamente, para solista e orquestra. Violinos se tornam cavaquinhos estilizados para materializar este divertido ‘fagode’ sinfônico.  Conta-se que um belo dia a professora questionou qual era a profissão do pai do aluno-mirim, que respondeu: ‘meu pai toca fagote, fessora.’ Esta prontamente corrigiu o menino: Olhe, não é fagote. É pa-go-de!”

 

 
comprar CD:
       
        www.classicos.com.br
  

página inicial