MELODIAS DA CECÍLIA

para fagote

Ernst Mahle

um resgate histórico

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    de: Hary Schweizer
    para: fagotistas
    No dia 20 de maio realizei na Livraria Musimed um lançamento do meu CD "com licença!...", no qual estão gravadas também três das "Melodias da Cecília" para fagote e piano, de Ernst Mahle.
    Neste concerto me permiti mais uma das muitas licenças que sempre acompanham o meu CD e toquei o índice temático das 10 melodias da Cecília e deixei a platéia escolher aquela que gostaria de ouvir na íntegra.
    Após o concerto fui abordado por uma pessoa amiga presente ao concerto, que então me perguntou se essas melodias do Mahle tinham algo a ver com uma filha doente do compositor, que ela conhecera na década de 60.
    Não soube responder e tomei a liberdade de me informar junto à família Mahle sobre a veracidade deste fato, pois com certeza seria em elemento importante, que daria uma conotação ainda maior a futuras interpretações dessas peças (a outra é o fato de que as Melodias da Cecília no CD estão sendo interpretadas com um fagote infantil de minha confecção).
Recebi uma carta de Cidinha Mahle, esposa do compositor, que é quem, em letra acurada e com grande esmero (letra daquelas que ninguém mais conhece, pois todos hoje somente e mal sabem digitar mensagens ao computador!), responde às cartas dirigidas ao maestro Mahle. Foi um depoimento saudoso,  uma carta que me emocionou de verdade e que, pelo significado, conteúdo e contexto, tomo a liberdade de transcrever abaixo:
 
"Piracicaba, 28 de maio de 2006
Caro Prof. Hary:
Recebemos sua carta e ficamos contentes ao saber que o público que assistiu à sua apresentação de lançamento do CD gostou das Melodias da Cecília para fagote.
Meu marido e eu achamos que talvez o Sr. tenha uma edição bem antiga das Melodias, pois no momento, todas elas, para os diversos instrumentos, têm títulos. Eles, em sua grande maioria, não foram dados por ela própria, a não ser quando o começo das melodias já era cantado por ela, com uma letra. Colocamos os títulos posteriormente, em geral pensando no caráter da peça e também nos livros infantis que ela gostava.
Cecília faleceu a 23 de abril de 1973, com 15 anos. Ela nasceu com um tumor na cabeça, que foi percebido aos 4 anos de idade. Antes disso ela falou e andou normalmente; era muito viva e inteligente - isso conservou até praticamente ao fim de sua curta vida. O tumor era benigno, mas devido à localização - entre os nervos óticos e a hipófise não pode ser extirpado completamente, embora tivesse sido operada na Suiça, duas vezes. Foi submetida à radioterapia e acabou perdendo quase que completamente a visão. Dos 4 aos 6 anos lutamos pela vida dela, que foi dada por desenganada pelo célebre cirurgião que a operou, na Suiça. Mas, por fim, foi um médico de S. Paulo, que empregando um tratamento inédito - injetou um ouro radioativo em sua cabeça - conseguiu com que ela melhorasse e levasse uma vida normal, frequentando o colégio e sendo ainda, uma aluna brilhante. Lia e escrevia em Braille. Também por meio dessa escrita estava aprendendo música - estudava piano e tinha começado a ter aulas de canto.
A grande criatividade foi dos 2 aos 6 anos, quando cantava, assobiava ou tocava, ao piano, com um só dedo, as melodias que seu pai anotou e escreveu, posteriormente, ou melhor, realizou com elas arranjos para os vários instrumentos.
Dos 7 aos 15 anos tudo parecia decorrer normalmente em sua vida. Mesmo com deficiência visual era alegre como um passarinho, amava as flores - vivia no jardim, jogava xadrês, nadava. Subitamente, na manhã de 16 de abril, ao levantar, teve um derrame. Fomos ao hospital com ela, foi transportada para S. Paulo, novamente operada, mas não voltou mais a si. Certamente ela está no céu, inventando mais melodias... E nós com saudades!
Para o Sr. nossas lembranças
Ass: Cidinha Mahle"

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