Como estudar Música

BOHUMIL MED 

 
 

Tocar um instrumento é fácil. Basta apertar a tecla certa. Tocar bem é que são elas. Exige muita dedicação, esforço, renúncias e sobretudo tempo.

Para manter um bom nível, o músico profissional tem que estudar várias horas todos os dias e ainda participar de ensaios, concertos e shows. O músico amador, por exercer outras atividades, não dispõe do mesmo tempo e, por isso, fica-lhe difícil atingir o nível de um profissional dedicado.
É comum indagar quantas horas por dia se deve estudar. A princípio, poucas. É necessário, no início, acostumar os músculos a repetir certos movimentos mecânicos próprios de cada instrumento. Aos poucos chega-se a uma média horária de quatro a seis horas, distribuídas entre manhã, tarde e noite. Deve-se, porém, respeitar uma regra básica: se aparecer alguma dor física nos dedos, nos lábios ou nas cordas vocais, pare imediatamente e descanse. Ao desaparecer a dor, recomece com cuidado. Caso a dor continue, procure um médico. Se os músculos forem exigidos além do normal, podem surgir deformações ou danos, muitas vezes irreparáveis.
Vários fatores podem provocar problemas musculares: excesso de horas de estudo, técnica equivocada, embocadura inadequada e até a postura do executante.
A postura correta contribui para aumentar a resistência e, no caso de instrumentistas de sopro, para melhorar a qualidade de som. O corpo do executante deve se transformar em uma caixa acústica complementar que reforça os sons harmônicos do instrumento.
Freqüentes contrações musculares, resultantes de postura e técnica inadequadas, interrompem a ampliação das vibrações no corpo do executante. Para os músculos cansados dos movimentos repetidos por horas seguidas, recomendam-se exercícios de relaxamento ou a prática de algum esporte. Natação é excelente, mas, por exemplo, jogar vôlei e basquete é proibido para violinistas e pianistas.
A regra mais importante é a regularidade nos estudos. Deve-se estudar diariamente, um dia mais, outro menos, mas todos os dias (estudar duas horas por dia é mais produtivo do que doze horas seguidas num único dia). A necessidade de estudos diários e repetitivos deve-se também à fragilidade da memória muscular, aquela que garante (ou deveria garantir) a automação dos movimentos dos dedos, lábios, cordas vocais e outros músculos envolvidos numa execução musical.
Tanto a regularidade como a carga diária são, infelizmente, pré-requisitos para o sucesso na carreira de músico. É verdadeiro o ditado segundo o qual um virtuoso necessita de 10% de inspiração e 90% de transpiração. Os virtuosos sabem que um dia sem estudar lhes faz falta, que dois dias o bom crítico musical percebe e que três ou mais dias o público reconhece.
E repouso, não há? O músico não descansa nunca? A pausa de um dia por semana é defendida por uns e condenada por outros. Caso opte pela folga semanal, a escolha não precisa necessariamente recair num dia predeterminado. O ideal é respeitar o cansaço acumulado.
Entre as muitas técnicas existentes para cada instrumento, o músico deve adotar aquela que melhor se adapte às características do seu corpo (dedos curtos ou longos, lábios finos ou grossos, etc). Na busca por aperfeiçoamento é comum que o músico descubra e adote outra técnica mais apropriada às suas condições.
É muito importante que, no momento da execução, o músico conheça o funcionamento de músculos de diferentes partes do corpo (mãos, pés, lábios, pulmão, diafragma e cordas vocais, entre outras). Esse conhecimento amplia a eficiência dos músculos, a vida profissional e até a longevidade dos músicos. Antigamente, por causa de técnica inadequada, executantes de instrumentos de sopro feitos de metal sofriam de doenças pulmonares causadas por constantes e exagerada pressão, e muitos deles morriam prematuramente.
Outro item importante é a respiração. Para cantores e executantes de instrumentos de sopro, a respiração correta é essencial. Para outros músicos, possibilita um fraseado fluente e tranqüilidade durante a execução.
A produtividade dos estudos depende não somente da carga horária aplicada, mas também da concentração do intérprete. Não adianta estudar escalas enquanto se assiste a uma novela ou a jogo de futebol pela televisão, imitando a vovó fazer tricô. Quando se perde a concentração, o rendimento nos músculos cai e isso pode gerar efeitos negativos, provocar vícios e automatizar movimentos errados, difíceis de corrigir.
Um bom instrumento facilita a interpretação, ninguém duvida, mas, sem perseverança e disciplina nos estudos, não garante um bom resultado.
Finalmente, até que idade o músico deve estudar? Em algumas profissões, o término de um curso profissionalizante ou da faculdade implica abandonar os diários e cansativos estudos. Na música não existe esse limite. Enquanto o músico não aposenta seu instrumento e continua atuando na profissão com a vontade de exercê-la bem, precisa manter-se em forma mediante estudos diários. Um trompista de quase 60 anos de idade queixou-se ao colega de uma orquestra sinfônica: "Não sei o que está acontecendo comigo. Quando estudo seis horas sem parar, começo a sentir os lábios formigarem um pouquinho. Talvez seja a velhice chegando!".
Para concluir, uma pergunta cruel: Vale a pena todo esse sacrifício? Sem dúvida, a carreira de músico profissional exige muita renúncia. Enquanto outros profissionais assistem à televisão, tomam seu chopinho num fim de tarde, jogam cartas e futebol, namoram e "aproveitam a vida", o músico estuda e estuda. Vale a pena?
Do ponto de vista financeiro, com raras exceções, a resposta é não (quantos músicos ficaram ricos exercendo sua arte?). O que compensa todos os aspectos negativos é a felicidade de fazer aquilo de que se gosta, a alegria de uma execução bem feita, o reconhecimento da crítica e os aplausos do público. E, seguramente, o que mais gratifica e emociona: o orgulho de pertencer ao mundo dos sons, das melodias e das grandes idéias musicais, ao mundo deixado por Bach, Beethoven, Mozart, Brahms e outros grandes compositores, ao mundo que, com certeza, se perpetuará por incontáveis gerações.

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COMO ESTUDAR MÚSICA é o VII capítulo do livro, lançado em 2004, de autoria de BOHUMIL MED

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Bohumil Med, tcheco de nascimento, é formado em trompa; desde 1968 no Brasil, no Rio de Janeiro atuou na Orquestra Sinfônica Brasileira, tendo também dado aulas no Instituto Villa-Lobos. Desde 1974 professor da Universidade de Brasília, inicialmente como trompista, ocupa atualmente a cadeira de professor de teoria da música e percepção musical. Várias vezes condecorado, publicou quatro livros, com destaque para Teoria da Música. Vida de Músico não é Fácil é seu último lançamento (2004).

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