Conversa de fagotista

- francisco de assis alves formiga -

 

 

Francisco de Assis Alves Formiga  é natural de Tauá (CE), cursou a Escola de Música da UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais - e o Centro de Formação Artística da Fundação Clóvis Salgado (Palácio das Artes), onde iniciou os estudos de fagote com o professor Stanislaw Durek. Concluiu o bacharelado em fagote com o professor Benjamim Coelho. Freqüentou cursos de aperfeiçoamento com Noel Devos (França-Brasil), Mario Constantini (Itália), Sérgio Lima Gonçalves (Brasil), Gerald Corey (EUA), Afonso Venturieri (Brasil) e Helman Jung (Alemanha), entre outros.

        Integrou a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, foi monitor de fagote da Orquestra Experimental de Repertório e chefe de naipe da Banda Sinfônica do Estado de São Paulo. Venceu o Concurso Nacional EPTV para Jovens Solistas em 1991 e diversos concursos de Música de Câmara da UFMG, além do Concurso Jovens Solistas da Orquestra Sinfônica da UFMG. Foi também finalista do concurso Jovens Solistas Brasileiros do ano de 1989.

        Como professor de fagote, atuou no Centro de Musicalização Infantil da UFMG, no Centro de Formação Artística do Palácio das Artes, no Departamento de Música da UFMG, além de participar de vários cursos de férias, seja de inverno ou verão, destacando-se o trabalho nas  edições do Curso de Verão de Poços de Caldas (Música nas Montanhas) de 2000 a 2006.

 Atualmente Francisco Formiga é fagotista da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP). Atua com muita satisfação em conjuntos de música de câmara ocasionais (trio,quinteto) à medida que seus compromissos profissionais junto à orquestra o permitem.Tendo sido professor substituto na Universidade Federal de Minas Gerais até o ano de 1996, professor na ULM (Universidade Livre de Música, também conhecida como Centro Musical Tom Jobim) até 2004, e depois também de uma rápida passagem como professor de fagote no Conservatório de Tatuí é agora professor  na Uni FIAM FAAM-Centro Universitário. É grande pesquisador do mundo das palhetas, terreno em que desafia todo e qualquer fagotista.

 

 

portal - como se deu a decisão de estudar fagote?

Formiga - Eu não tinha escolhido o fagote, eu tocava flauta e todos me diziam que eu deveria trocar de instrumento se quisesse sobreviver... sabe aquela história: "se você balança uma árvore, cai um monte"... e nessa eu resolvi trocar e escolher oboé ou fagote. Quando ia fazer a escolha, vi que ninguém tinha escolhido o fagote e então logo pensei: se só eu vou estudar fagote, vou ter mais atenção do professor... e aí comecei a estudar em abril de 1984 com o Prof. Stanislaw Durek, na época primeiro fagote da orquestra de Minas Gerais.

 

portal - fale um pouco mais de sua formação...
Formiga - eu comecei a estudar em 1982 no curso de formação musical, no Conservatório da Escola de Música, que ficava na Av. Afonso Pena, em frente ao Palácio das Artes, em Belo Horizonte. Foram quatro anos de formação e mais seis anos na faculdade, cursando o bacharelado. Comecei com o Stanislaw Durek, que fugiu do Brasil quando era professor da Universidade Federal de Minas Gerais... Como fiquei sem professor ia ao Rio fazer aulas com Noël Devos, ou vinha a São Paulo fazer aulas (na época) com Sérgio Lima Gonçalves e também com Eduardo Flores, fagotistas do Teatro Municipal. Quando aconteceu um concurso na UFMG participaram o Benjamin Coelho e o Aloysio Fagerlande e nesta o Benjamin passou a ser meu professor. 

 

portal - é às vezes impressionante constatar quantas pessoas são responsáveis pela formação de um fagotista!
Formiga - Além desses professores sempre assisti ou fiz aulas com quem veio até o Brasil. E aí queria destacar o papel fundamental de Afonso Venturieri... desde 1994 quando fui fazer o curso de Campos do Jordão, o Afonso foi uma pessoa que sempre trouxe as novidades que estavam acontecendo lá fora, alem de trazer material pra todo mundo aqui... eu tenho tido a oportunidade de trocar idéias com ele todas as vezes que ele vem ao Brasil, são avaliações de como estamos tocando e ate avaliações do trabalho que tenho feito com os alunos aqui... eu chego a ser chato, porque acabo não dando folga para ele.... sobre as palhetas, a gente sempre avalia a qualidade com pontos negativos e positivos... Então, fora da escola ou faculdade, o Afonso tem sido um orientador semestral!

 

portal - tendo escolhido o fagote como profissão, considera-se realizado?
Formiga - claro que não... ainda tenho muito a estudar e aprender; comecei tarde a estudar fagote e a formação é uma coisa que não acaba. Quem achar que está pronto está ferrado... todos os dias a gente tem que fazer uma avaliação e recomeçar...mas se tivesse novamente de escolher um instrumento, eu tornaria a escolher o fagote...

 

portal - a sua dedicação na confecção de palhetas se transformou de certa maneira numa referência entre os fagotistas no Brasil; como encara isso?
Formiga - Esta questão de palhetas sempre me incomodou desde quando comecei até os dias de hoje. Vi muitas mudanças, seja na cana goivada que tem hoje muitas medidas diferentes; também muitas falhas...na facilidade de compra, na internet e até na finalidade última do produto. Eu sempre considero muito esta questão com o aluno: e cada situação pede uma palheta especial; eu levo tudo em conta para acertar nesta questão: se Você toca pouco, se Você toca numa orquestra com níveis diferenciados, se onde Você toca é quente ou frio demais, se a sua orquestra é muito exigente, se Você passa muito ou pouco tempo tocando; daí vamos programando para os dias de hoje.

 

portal - sempre mais a máquina está a serviço do homem: palheta feita manualmente ou palheta produto de uma máquina?
Formiga - Palhetas devem ser feitas manualmente e o aluno deve aprender isso o mais rápido possível; sem a palheta o aluno não toca e pode até desistir de estudar o instrumento. A questão das máquinas deve ser bem entendida; elas vão acelerar os processos, mas não finalizam nada. No final das contas, temos de trabalhar manualmente, cada cana tem características próprias. Nós até podemos fazer 10 palhetas do mesmo jeito, mas nem todas vão ter as mesmas respostas e nesta hora a máquina falha... a única saída é a percepção de quem faz e testa a palheta. Então, querendo ou não, a máquina continua sendo secundária; a máquina ajuda, mas não finaliza! 

 

portal - dicas de palhetas para os desorientados?
Formiga - Acho que existem questões com prioridades especiais:
*A primeira é a fase da escolha das canas e o processo de montagem (escolha de formas e mandris)
**A segunda é a fase da raspagem (inicial) com os devidos tempos de descanso...
***A terceira é o trabalho de finalização. 
Para cada uma dessas fases existe uma série de procedimentos a serem executados.

 

portal - como é sua relação professor/aluno?
Formiga - Desde 1986 tive a oportunidade de orientar aspirantes a fagotistas...Comecei com 2 alunos: um deles é o Cláudio Moller (hoje contrafagotista da OSESP) e daí para frente nunca faltou trabalho nesta área... Quando vim para São Paulo trabalhei com o Alexandre Silvèrio  por uns 3 anos a daí para a frente ele deslanchou; entramos juntos para a OSESP; e ele, além disso, teve oportunidade de viajar e estudar fora. A minha relação com os alunos sempre foi boa, não posso reclamar... mas a gente tem de ter pulso firme; eu não gosto de perder tempo, até mesmo porque não tenho tanto tempo livre assim...

 

portal - a OSESP é tida no Brasil atualmente como uma orquestra-modelo pela constância das atividades, pela exigência do repertório, pela qualidade alcançada... Como é ser fagotista nessa orquestra?
Formiga -  Trabalhar na OSESP acaba sendo uma responsabilidade muito grande. Existem muitas compensações, mas dá muito trabalho e o stress é sempre muito grande... Temos acesso a todo material de partituras das músicas que vão ser tocadas, até três ou quatro semanas antes. Temos um bom espaço para estudar e uma midioteca com CDs e obras da programação. Acaba sendo um quartel. Quem chega atrasado leva advertência e somos muito exigidos: se o maestro percebe que Você não sabe a sua parte, quase sempre Você é solicitado a tocar sozinho (não sempre, mas acontece!) aí a gente se sente mal e não adianta reclamar. A regra é clara: tem que chegar preparado mesmo! E quando temos maestros convidados, eles nos tratam como qualquer outra boa orquestra da Europa ou dos Estados Unidos; somos considerados profissionais e somos exigidos como tal.

 

portal - como concilia suas atividades na cidade-turbilhão São Paulo?
Formiga - saio às 7 horas da manhã e volto só à noite... estudo e faço muitas palhetas; tenho uma hora e meia de almoço e quase todos os dias temos duas atividades na orquestra. Tenho ainda de arrumar tempo para pagar minhas contas e, com sorte, achar bancos abertos. Nesta rotina a semana passa numa piscada de olhos e assim já estamos no meio do ano... e por aí vai!

 

portal - validade dos cursos de férias?
Formiga - Se não fossem os cursos de férias teríamos muito menos músicos aqui no Brasil (país do samba e axé). O Curso de férias acaba sendo uma injeção de ânimo, além de motivar a gente em todos os outros aspectos, como trabalhar músicas que normalmente não tocaríamos, conhecer artistas diferentes e neste aspecto o intercâmbio acaba sendo vital para artistas de um país de dimensões continentais como o nosso, ou mesmo no âmbito entre continentes. Também vale para fazer uma comparação e avaliação pessoal!

 

portal - um fato curioso na sua atividade como  fagotista?
Formiga - eu uso a orquestra como laboratório para melhorar as palhetas e preparar alunos usando os obstáculos que eu mesmo encontro no dia a dia.

 

portal - o seu sobrenome nunca causou algum constrangimentos ou alguma anedota?
Formiga - eu nunca tive encanação com meu sobrenome. Eu acho que na Paraíba tem um clarinetista com sobrenome Formiga; deve ser parente... levo numa boa, mesmo quando fazem alguma caricatura de mim enfocando o sobrenome! (ver caricatura)

 

portal - planos futuros? algum CD? cursos? 
Formiga - sempre tenho: é o que motiva a gente a continuar vivo! CD? Quero fazer acontecer alguns projetos, vamos esperar para ver. Curso? Sempre que puder quero ir a algum curso como aluno; além disso todos os anos tenho trabalhado em cursos de férias como professor, tanto no início como no meio do ano: Poços de Caldas, MG, Campos dos Goytacazes, RJ, Oficina de Curitiba, PR. E sempre que possível toco com outros grupos.

 

portal - algo mais?
Formiga - acho que aqui no Brasil temos uma carência muito grande na área da formação técnica e artística e que o portal do fagote (embora pouca gente saiba ou tenha consciência) está sendo uma dessas ferramentas de comunicação, muito útil, independente se quem a usa é iniciante ou profissional, nem precisa necessariamente ser fagotista... Pensando nestes termos tenho alguma coisa incluída no portal e, caso alguém se interesse, pode ler e/ou ver mais em:

     considerações sobre o mandril 

viagem pelo mundo das palhetas

dicas do Formiga

 laboratório de palhetas

 

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