A EVOLUÇÃO DO FAGOTE

a partir do séc. XVIII 

Günther Joppig

“Na passagem do século XVIII para o XIX a situação se apresenta da seguinte maneira: os instrumentos clássicos, flauta, oboé, clarineta e fagote, contam em geral com apenas duas chaves, como já visto anteriormente... A partir de então, os melhoramentos relativos a notas individuais em um instrumento eram aplicados igualmente aos outros. Em geral a situação era tal por volta de 1810 que, se muitos músicos ainda preferissem um oboé de duas chaves, existiam já instrumentos disponíveis com cinco, seis e até oito chaves. A secular tradição de se tocar meios tons com meios buracos, forquilhas e o fechamento de buracos da região mais grave estava desta maneira ameaçada; pois, se para conseguir um meio tom era inventada uma nova chave, constatava-se logo que a qualidade sonora desse tom em relação ao dedilhado anterior de forquilha mudava-se substancialmente e já não se contentava mais com a sonoridade anterior. Esse era, porém, apenas um aspecto dos experimentos. Experimentava-se tanto nos modelos subseqüentes, até que determinados melhoramentos se tornassem definitivos.

O começo do século XIX era uma época muito progressista e se começaram as primeiras pesquisas solidamente baseadas na acústica. Ernst Florens Friedrich Cladni (1759-1827) dedica vários capítulos de seu livro “Acústica” (1802) aos instrumentos de sopro...

Estes problemas eram discutidos calorosamente entre os especialistas e em parte defendidos com vigor na literatura especializada. Tromlitz pertence a uma geração de músicos, que não só tem o domínio na execução do instrumento, mas que, além disso, era também hábil na construção de instrumentos e assim podia defender suas novidades perante um mundo musical bastante crítico; pois músicos geralmente se posicionam conservadoramente e quando aprendem um instrumento, nem sempre estão dispostos a enfrentar novidades e novos sistemas.  

Karl Almenräder (1786-1843) era a um tempo um talentoso fagotista e hábil construtor de instrumentos.Já durante sua estadia em Colônia (1820-1822) dedicava-se à construção de instrumentos de sopro. Em 1820 escreveu um “Tratado sobre os melhoramentos no fagote”. Almenräder era amigo íntimo de G. Weber (1779-1839), que igualmente se destacava na época por publicações relacionadas com este tema. Uma destas publicações era o “Ensaio sobre uma acústica prática dos instrumentos de sopro”. Weber, editor da recém-surgida revista “Caecilia”, dedicou em 1825 um amplo capítulo sobre o tema “Importantes melhoramentos do Fagote”, dando assim divulgação às idéias de Almenrader...

A evolução do fagote a partir do ponto vista nacional se deu de maneira inversa à do oboé: enquanto os franceses conservaram em princípio o fagote antigo e apenas o dotaram com um número maior de chaves, Almenräder se propõe a uma reformulação geral do instrumento; e foi uma feliz coincidência que ele fosse musico da corte de Biebrich e paralelamente assumisse a supervisão da produção de instrumentos de sopro da Editora B. Schott’s Söhne, fundada em Mainz no ano de 1770 por Bernhard Schott e que nessa época ainda produzia instrumentos musicais. Nessa firma ingressou em l829 um talentoso jovem de 17 anos construtor de instrumentos por nome Johann Adam Heckel (1812-1877), que aprendeu seu ofício com seus parentes em Vogtland e o talento desse jovem com certeza deve ter chamado a atenção de Almenräder. Em 11 de março de l831 os dois formaram uma única firma, que devia se ocupar com a aplicação ao fagote dos melhoramentos sugeridos por Almenräder. Na realidade este não era um empreendimento fácil, pois existiam nessa época numerosas firmas que produziam fagotes e citemos aqui apenas as mais importantes: a Oficina (ateliê) Grenser em Dresden produzia fagotes de grande fama, a Firma Haseneier em Koblenz e a Oficina Uhlmann em Viena. Na França os fagotes da firma Savary têm grande reputação e também a família Triébert (fabricante de oboés) produzia fagotes. Nos inícios a firma Heckel ainda produzia fagotes para a Schott, em parte também com o selo Schott, até que o próprio nome se tivesse firmado. Neste particular a fama de Almenräder contribuiu substancialmente para o sucesso do empreendimento. Na firma Heckel produziam-se todos os instrumentos de sopro, mas o peso maior recaía sempre sobre o complicado fagote e até se conseguir um modelo utilizável gastava-se muito tempo e muito trabalho. Após a morte de Almenräder a firma foi conduzida por Johann Adam Heckel e seu filho Wilhelm Heckel (1856-1909), que sempre se ocuparam em melhorar os fagotes. Desde cedo se procurava também o contato direto com os compositores e Richard Wagner (1813-1883), que em 1862 morava em Biebrich e trabalhava na composição de seus “Mestres Cantores”, visitava freqüentemente o ateliê da Heckel. Conta-se até que, de certa feita, ele até experimentou usinar uma peça do fagote no torno, experimento este mal sucedido, pois a peça se soltou do torno e se estraçalhou toda...

Em 1889 Wilhelm Heckel faz patentear um dos mais importantes melhoramentos do fagote, a saber, o revestimento interno de ebonite na perfuração da asa e da culatra... É também dessa época a reformulação da junção dos dois tubos da culatra, aplicando-lhes uma válvula fixada com parafusos como a conhecemos hoje, ao invés da peça de encaixe usada até então. Até a virada do século a Heckel produziu cerca de 4000 fagotes, além de cerca de outros 3000 instrumentos de sopro. Além de pequenas modificações referentes à perfuração e às chaves, poucas alterações foram acrescentadas até hoje nos fagotes Heckel e se se compara um fagote do começo do século XX com um fagote moderno poucas modificações poderão ser notadas em seu mecanismo.

Essa tradição de muitos anos só favoreceu os fagotistas e levou a que se desenvolvesse um tipo de fagote com o sistema Heckel. Já desde o início do século muitas firmas concorrentes propagandeavam fabricar fagotes no sistema Heckel e ninguém sequer se envergonhava de copiá-los quase que exatamente.

Na França, ao contrário, desde o início do século XIX não ocorreram reformulações essenciais no fagote, sobretudo no que se refere à perfuração e à sonoridade. É bem verdade que o número de chaves aumentou consideravelmente, mas em princípio o fagote do começo do século ficou intocado...”  

 

GÜNTHER JOPPIG, musicólogo, responsável pela seção de instrumentos musicais do Museu de München (Alemanha) é autor do livro "OBOE & FAGOTT", Ed. Schott, do qual foi extraído este capítulo, na tradução de Hary Schweizer.

          voltar ao índice de artigos        voltar ao início