obras de compositores brasileiros

para fagote solo

dissertação de mestrado, UNI-RIO, 1999

ARIANE PETRI

 

CONCLUSÃO

1) Examinando o corpus segundo o número de obras compostas por década, verificamos que: as décadas de 50 e 60 são representadas por somente uma obra cada uma. Nos anos 70, a produção aumenta significativamente, especialmente nos dois últimos, chegando a 10 o número de peças escritas. Esta tendência continua, tanto que nos dez anos seguintes já temos outras 14 peças, todas datadas da primeira metade da década. Com isso, os anos 80 são os mais ricos em peças para fagote solo, uma vez que, nos anos 90, o número chegou a 10 composições, das quais seis foram motivadas por nosso trabalho.

O quadro abaixo mostra a distribuição de obras por década, compositor, título da obra, ano de composição

década de 50:

  • Mendes, Gilberto Estudo em ré maior 1954

década de 60:

  • Mignone, Francisco Sonatina 1961

década de 70:

  • Widmer, Ernst de: 69 Peças Crônicas e Anacrônicas,peças 19-21 1970

  • Rocha, Mauro Peça 1973

  • Lacerda, Osvaldo Quatro variações e fugueta sobre um tema infantil 1974

  • Widmer, Ernst Catala op.93 1976

  • Siqueira, José Estudo de Virtuosidade 1978

  • Terraza, Emílio Momentos M. 29 1978

  • Vinholes, Luiz Carlos Tempo-Espaço XIII 1978

  • Aguiar, Ernani Meloritmias nº 3 1979

  • Guigue, Didier Tre esercizi 1979

  • Macêdo, Nelson Louvação 1979

década de 80:

  • Seincman, Eduardo Combinações 1980

  • Terraza, Emílio Tango M. 26 1980

  • Kiefer, Bruno Ambivalência 1981

  • Mignone, Francisco 16 Valsas 1979/81114

  • Niemeyer, A. Micro-Bios 1981

  • Siqueira, José Estudo 1981

  • Macêdo, Nelson Fagotata 1982

  • Escobar, Aylton Cantares para Airton Barbosa 1983

  • Santoro, Cláudio Fantasia Sul América 1983

  • Trompowsky, Mário Soata No. 4 1983

  • Eisenberg, Alexandre Megalogadron 1984

  • Viana, Andersen Fantasieta 1984

  • Lacerda, Osvaldo Queixas e reclamações 1985

  • Macêdo, Nelson Modinhando 198?

década de 90:

  • Bocchino, Alceo Naninoel 1992

  • (Improviso franco-nordestino)

  • Figueredo, Flávio Variações 1992

  • Correa, James Dança Fáustica 1993

  • Miguel, Randolf Melos 1993

  • Bernstein, Guilherme Sonatina 1999

  • Cervo, Dimitri Mini-Suite 1999

  • Chnee, Sérgio Igor Natalício (Chorinho) 1999

  • Escalante, Eduardo Solilóquio IV 1999

  • Grünblatt, Gerson Ill eel 1999

  • Mendes, João Quatro peças breves 1999

2) 16 entre as 29 obras das quais soubemos o local de composição, foram escritas na cidade do Rio de Janeiro e arredores, como Petrópolis, por exemplo. Curiosamente, o estado da Bahia não aparece com nenhuma obra, apesar de todos os compositores que constam no Musicon 1998 terem sido igualmente consultados. Cruzando os dados dos locais de composição que, via de regra, são os da moradia dos compositores, com os das dedicatórias, o quadro se explica. Rio de Janeiro é também a cidade onde mora Noël Devos, fagotista que teve mais obras dedicadas a ele (sempre por compositores moradores desta cidade, à exceção de Bruno Kiefer), graças ao seu constante incentivo e excelente nível de interpretação da música brasileira. As duas obras dedicadas a Airton Barbosa foram escritas em homenagem a ele, também por compositores moradores do Rio.

3) Três entre as 36 obras foram comissionadas; duas destas, Cantares para Airton Barbosa, de A. Escobar, e a Fantasia Sul América, de C. Santoro, para concursos. Momentos de E. Terraza foi escrita a pedido do jornal Sensus. É interessante notar que essas três obras estão entre as nove que chegaram a ser publicadas. O comissionamento, além do aspecto financeiro, é uma garantia para o compositor de que sua obra será editada, divulgada e, com isso, tocada. O número de nove obras publicadas corresponde a um terço do total. Infelizmente, dessas nove, muito poucas estão disponíveis no mercado. A editora Novas Metas, responsável pela edição de Meloritmias, de E. Aguiar, de Quatro variações e fugueta, de O. Lacerda, e de Tempo - Espaço XIII, de L. C. Vinholes, encerrou as atividades. A edição das 16 Valsas de Mignone pela Funarte está esgotada; o mesmo vale para Cantares para Airton Barbosa. O jornal Sensus não circula mais e, desta forma, Momentos teve o mesmo destino que todas as outras obras agora citadas: as bibliotecas (na melhor das hipóteses). Algumas outras poucas obras encontram-se publicadas por editoras dos próprios compositores, que pelo menos providenciam partituras legíveis e revisadas. Todavia, não dispõem da estrutura que garantiria uma boa divulgação das mesmas. Como quase nenhuma obra para fagote solo entre as aqui tratadas consta em catálogos de editoras, principal fonte de informação na pesquisa para a elaboração de uma bibliografia internacional, pode-se entender adificuldade dos autores das acima citadas bibliografias em tomar conhecimento da existência do repertório aqui estudado.

4) Doze obras nunca foram estreadas. Seis delas foram escritas este ano, motivadas pela pesquisa; ainda não tivemos oportunidade de tocá-las, a não ser em apresentações menores, não-oficiais. Mesmo sem considerar essas seis, ainda resta uma sexta parte do total que nunca teve uma primeira audição.

5) O quadro das gravações ainda é pior. Somente das obras Naninoel (A. Bocchino), Cantares (A. Escobar), 16 Valsas (F. Mignone) e, a partir do ano 2000, Louvação (N. Macêdo) existem gravações comercializadas, e, no caso das Valsas, três versões.

6) A grande maioria das obras (23) é formada por apenas um movimento, muitas vezes com seções contrastantes. Sete delas possuem três movimentos (ou três peças), duas possuem quatro, uma cinco, enquanto as Valsas ocupam uma posição isolada com suas 16 peças autônomas.

7) As durações variam entre 1’00 (Modinhando de N. Macêdo) e 7’00’’ (Dança Fáustica de James Correa)115. A maioria das peças tem uma duração entre 3’00 e 4’00, independente do número de movimentos. Geralmente quanto maior o número de movimentos, mais curtos eles são.

8) Somente a Mini-Suite de D. Cervo é uma transcrição de uma peça originalmente composta para flauta doce. As outras obras, desde sua origem, foram pensadas para o fagote.

9) O conjunto das 36 obras foi dividido nos blocos tonal (com os subgrupos tonal ou tonal livre com e sem elementos nacionalistas e tonal livre com inclusão de técnicas não convencionais de produção sonora) e atonal (serial e atonal com inclusão de técnicas não convencionais de produção sonora). O bloco tonal consiste de 27 obras, contendo, assim, três vezes o número de obras do bloco atonal, com nove peças. Os subgrupos com e sem elementos nacionalistas (dentro do bloco tonal) apresentam um número quase igual (12/13), enquanto duas peças usam efeitos não convencionais de produção sonora. Quando são usados elementos nacionalistas, eles geralmente não são tão óbvios, diferente do que ocorre no caso da adoção de um gênero musical explícito, como por exemplo o chorinho (S. I. Chnee, Natalício) ou da citação integral de uma canção popular (O. Lacerda, com Terezinha de Jesus, em Quatro Variações e Fugueta). Outras obras incluem, em algumas de suas seções, citações curtas de temas de manifestações folclóricas ou populares (A. Viana com partes do Xangô na Fantasieta, E. Aguiar (3º mov. das Meloritmias) e A. Bocchino (Naninoel) com o mesmo tema nordestino, N. Macêdo com partes da Casinha pequenina em Modinhando), enquanto outras fazem somente alusões a gêneros e ritmos populares e folclóricos (E. Escalante (baião), G. Mendes e M. Rocha (valsa seresteira e valsa lenta), J. Siqueira (seresta), E. Widmer (canção de roda)). No bloco das obras atonais, duas incluem procedimentos dodecafônicos (ainda que de uma forma nada tradicional) e das sete restantes atonais, quatro apresentam técnicas não convencionais de produção sonora.

10) Através das análises constatou-se que, do ponto de vista instrumental, as obras brasileiras para fagote solo exploram de forma abrangente e maneira idiomática os recursos e possibilidades do instrumento, inclusive no que tange a formas inusitadas de utilização. Quase o total das peças aproveita as diferentes atmosferas possíveis no fagote, dependendo do registro, da dinâmica e da articulação escolhidos. Dois compositores, O. Lacerda (em Quatro variações e fugueta) e A. Bocchino estabelecem, em certa altura das peças, diálogos entre duas vozes. Este jogo contrapontístico num instrumento como o fagote concentra, em trechos de curta extensão, o máximo de domínio referente à diferenciação da dinâmica e à diferenciação sonora dos diversos registros, além de criar efeitos inesperados sem precisar recorrer a técnicas não convencionais de produção sonora.

11) As peças de A. Escobar, E. Seincman, J. Correa, e Momentos de E. Terraza utilizam-se de recursos notacionais não convencionais, que dizem respeito a efeitos sonoros e à organização de durações, apresentando-se com notas explicativas. Porém, mesmo nessas peças em espírito mais contemporâneo, não se observa a inclusão de novos signos. 12) Nas obras de E. Widmer (Catala), E. Seincman, L. C. Vinholes e D. Guigue encontramos elementos de aleatoriedade e de indeterminismo. Contudo, esses elementos se manifestam muito mais no campo da estruturação (ordenação de trechos) do que no campo da altura e do ritmo. Em nenhuma obra constatamos grafismos (comum no repertório com aleatorismo para outros instrumentos), indutores da participação criativa do intérprete.

 13) Nenhuma obra utiliza-se de recursos de manipulação eletrônica do som ou de fita magnética pré-gravada.

14) Observando a distribuição das obras pelos níveis de dificuldade, chama atenção o fato de que a maioria das obras concentra-se no nível intermediário. Nenhuma obra foi avaliada com o nível elementar I ou II, muitas com o intermediário I e II, algumas com avançado I e pouquíssimas com avançado II. Reparamos que, para a avaliação das peças, a resistência necessária à sua execução sempre foi um critério importante e, às vezes, decisivo: o repertório solo, pela inexistência de alternância com outros executantes, cansa o intérprete. Quando aparecem ‘agravantes’, como, por exemplo, trechos longos e lentos, em pp e com pouca movimentação rítmica, que requerem maior resistência (neste caso da embocadura), o grau de dificuldade cresce mais do que cresceria em peças de música de câmara, onde geralmente, em seguida a trechos cansativos, aparecem outros menos exigentes. Já na literatura solo, o intérprete é desafiado o tempo todo.

15) Quando tivemos à disposição duas versões de uma mesma peça, a comparação sempre foi interessante. No caso das diversas peças que chegaram às nossas mãos, uma em versão manuscrita e outra computadorizada, pudemos constatar e relatar aos compositores alguns erros de digitação ou esquecimentos, despercebidos pelo revisor. Essas observações geralmente foram muito bem recebidas pelos compositores, pois que ajudaram a corrigir a partitura. Em outros casos, observamos pequenos acréscimos na parte computadorizada (como, por exemplo, a colocação de ‘som distorcido’ em notas escolhidas da peça Momentos de E. Terraza). Já em Quatro variações e fugueta, de O. Lacerda, deparamo-nos com duas versões tão diferentes, como se a peça tivesse sido recomposta, baseando-se em algumas idéias iniciais. No entanto, ambas têm aspectos a seu favor e a escolha entre uma e outra fica a critério de cada intérprete.

16) As respostas ao questionário enviado e o contato pessoal com os compositores mostraram que apenas uma ínfima minoria diferenciou os modelos alemão e francês. Geralmente, através de dedicatórias, os compositores valorizaram muito mais determinados intérpretes, por suas qualidades técnicas e expressivas, do que o sistema do fagote propriamente dito. Ficou claro que superestimamos as diferenças, não tão percebidas por não-fagotistas, e, inicialmente, não levamos em conta o fato de que, em muitos casos, ao escreverem para o instrumento, os compositores tinham em mente determinado intérprete. Mesmo assim, certas obras, por trabalharem muito a região dos extremos agudos (sobretudo quando em staccato), têm uma execução mais favorável no fagote francês. Trata-se das obras de J. Siqueira (Estudo para fagote solo e Estudo de Virtuosidade), de duas das 16 Valsas de F. Mignone (6ª valsa brasileira e Valsa em si bemol menor), dos Tre esercizi de D. Guigue e de Combinações de E. Seincman. As outras são igualmente executáveis nos dois modelos de fagote.

17) Através do contato com os compositores, ficou clara, uma vez mais, a importância da comunicação entre intérprete e compositor. Alguns comentaram que, por falta de comunicação, nem souberam da estréia de sua(s) obra(s). Outros compositores mencionaram o fato de sua obra nunca ter sido estreada o que poderia ser explicado pelas poucas oportunidades de serem apresentadas. M. Trompowsky, por exemplo, citou os Panoramas e as Bienais de Música Contemporânea como eventos significativos, mas, infelizmente, oportunidades únicas de se apresentar este tipo de repertório diante uma platéia preparada e interessada.116

18) As seis peças dos compositores que, através da nossa pesquisa, foram motivados a escrever para o instrumento, também resultaram do contato pessoal. São elas: Ill Eel, de G. Grünblatt; Sonatina, de G. Bernstein; Natalício (chorinho), de S. I. Chnee; Solilóquio IV, de E. Escalante; Quatro peças breves, de João Mendes; e a Mini-Suite, de D. Cervo.

Visando ao conhecimento e à divulgação do repertório brasileiro para fagote, além do desenvolvimento de seus instrumentistas, sugerimos que sejam elaborados outros trabalhos voltados para o estudo das obras de câmara de compositores brasileiros, incluindo o fagote em formações até agora não tratadas na literatura. Outro tema interessante é o levantamento, na música sinfônica brasileira, de trechos orquestrais de difícil execução para o fagote, reunindo-os num volume para uso didático.

 

 
114 Como as valsas que datam de 1979 são minoria, a obra foi agrupada com as da década de 80.

115 As 16 Valsas, com uma duração total de 45 min., não são consideradas aqui, porque trata-se de 16 peças autônomas que não precisam ser executadas como um conjunto.

116 M. Trompowsky, telefonema do dia 15/11/1999.

voltar ao sumário da tese      página inicial