obras de compositores brasileiros

para fagote solo

dissertação de mestrado, UNI-RIO, 1999

ARIANE PETRI

 

VINHOLES, LUIZ CARLOS (*1933, Pelotas, RS)

Tempo-Espaço XIII - 4 lados das mil faces de Janet  90 (21/04/1978, Ottawa, Canadá)

Obra sem dedicatória, em homenagem a Ernst Krenek

Estreada em 13 de outubro de 1978, no XIV Festival Música Nova, em Santos/SP, pelo flautista Marco Antonio Cancallo

Partitura editada pela Novas Metas (atividades encerradas): São Paulo, 1980, No. 20027

Em um movimento

A duração não tem limite mínimo ou máximo definido e depende do intérprete

Segundo informações do compositor, a série Tempo-Espaço é composta por dezesseis peças para vários conjuntos. “Todas […] foram escritas com a técnica homônima91 mas não têm a mesma estética, haja visto que algumas, especialmente as primeiras, têm caráter serial/estrutural e outras têm aspectos claros de aleatoriedade.”92 Em 1956, o compositor expôs os princípios técnicos aplicados nesta série em palestras intituladas “Uma nova tentativa de estruturação musical”, nos Seminários de Música Pró-Arte de São Paulo.

A partitura da Tempo-Espaço XIII se apresenta em quatorze colunas, cada uma formada por seis pequenos fragmentos chamados pelo compositor de ‘blocos’. Na bula está indicado em ‘Como ler’: “começa em qualquer um dos seis blocos de qualquer coluna (x) e segue, sucessivamente, para qualquer bloco da coluna seguinte, até chegar à coluna décima quarta, anterior a coluna (x). Repetir este procedimento.”93 É importante observar que, apesar dos fragmentos se apresentarem sem indicação de clave, devem ser lidos na clave de sol, clave usada em partituras para flauta, oboé ou clarineta, instrumentos com os quais esta peça pode ser executada.

Tempo-Espaço XIII combina elementos seriais e aspectos de aleatoriedade. Se os blocos são lidos horizontalmente, mantendo-se sua posição, ou seja, a localização na coluna (por exemplo, sempre somente o segundo das quatorze colunas), o que se obtém são duas formas sucessivas da mesma série dodecafônica.94 A leitura horizontal dos primeiros, segundos ou terceiros blocos, que apresentam o mesmo material sonoro em diferentes soluções rítmicas, resulta na série na sua forma original, seguida pelo seu retrógado transposto um semitom acima.

Exemplo 66: Apresentações da série quando lidas nos blocos um, dois ou três, partindo da primeira coluna; as notas marcadas com estrela (*) podem ser tocadas em qualquer oitava

 

Já a leitura dos blocos quatro, cinco ou seis de cada coluna, com material sonoro igual, forma a inversão do original, seguida de seu retrógrado transposto um semitom acima.

Exemplo 67: Apresentações da série quando lidas nos blocos quatro, cinco ou seis, partindo da primeira coluna

Como é possível fazer “transposições por qualquer intervalo de toda uma seqüência de 14 blocos”, conforme o texto explicativo na partitura, a série pode partir de outras notas, porém as relações antre as suas formas de apresentação continuarão sempre as mesmas:

blocos 1, 2 e 3: Oy95 - Ry+1

blocos 4, 5 e 6: Iy - RIy+1

Todavia, como a escolha entre os blocos de cada coluna é livre, muitas vezes os fragmentos das representantes das quatro formas da série irão se misturar, resultando da aleatoriedade da escolha uma nova seqüência, não necessáriamente dodecafônica.

As diferentes apresentações rítmicas dos blocos de uma coluna são resultado da aplicação de alguns dos princípios composicionais da técnica ‘tempo-espaço’. Segundo essa técnica, cada ‘unidade estrutural consecutiva’, é formada por duas ou mais ‘unidades estruturais’ (termos empregados pelo compositor, significando três ou mais notas unidirecionais com valores rítmicos iguais), e pode aparecer em três formas distintas. Na forma 1, a(s) nota(s) intermediária(s) é/são substituída(s) por pausa(s). Na forma 2, o valor da(s) nota(s) intermediária(s) é acrescido à primeira nota. Finalmente, na forma 3, o valor da(s) nota(s) intermediária(s) é acrescido à última nota. Seguindo esses princípios, surgiram as versões rítmicas dos blocos.

Entre os elementos aleatórios já citamos a livre escolha entre os blocos, da qual decorre a seqüência rítmica e a composição da série. A possibilidade de transposição de certas notas (indicadas nos blocos pelas cabeças das notas em x) para outras oitavas, o andamento, a dinâmica, a agógica, a articulação, além da duração das pausas entre os blocos e da duração total da obra, são outras aberturas à indeterminação.

Referente ao subtítulo, Vinholes explica:

“O subtítulo ‘4 lados das mil faces de Janet’ é um registro de agradecimento à colaboração que tive de Janet McGregor, uma bibliotecária que trabalhava na Embaixada do Brasil em Ottawa e que me foi muito útil no que diz respeito aos meus primeiros contatos com os poetas concretistas/estruturalistas/visuais canadenses, dentre deles Bill Bisset.”

A Tempo-Espaço XIII pode ser juntada à Tempo-Espaço XV, para dois instrumentos melódicos quaisquer (sopro ou cordas) para formar um trio, que, nessa versão, recebe o título Tempo-Espaço XVa. Como trio, basta executar a Tempo-Espaço XIII com um dos quatro instrumentos acima citados e dois instrumentos melódicos ou piano tocando a Tempo-Espaço XV. Para a execução em quarteto, dois instrumentos de sopro tocam a Tempo-Espaço XIII e o piano a Tempo-Espaço XV.

“Quando o piano é usado, o pianista toca fazendo de cada uma das mãos um instrumentoindependente.”96 Tecnicamente falando, nesta peça, a avaliação dos pontos abordados na classificação dos graus de dificuldade se torna impossível, pelo simples fato de serem eles indeterminados: andamento, extensão, articulação, dinâmica, tudo depende da escolha do intérprete. Também poderíamos dizer que a peça se adapta às necessidades e limitações do executante e, por isso, não será difícil demais para quem, interessando-se por ela, aceitar o convite de participar efetivamente na sua ‘criação’, pelo menos no que se refere aos elementos aleatórios.

 

90 Apesar de estar escrito na partitura que a Tempo-Espaço XIII é “para flauta ou oboé ou clarineta”, o compositor afirmou que ela pode ser executada também por fagote, o que não foi explicitado na edição.

91 A técnica Tempo-Espaço será (parcialmente) explicada mais adiante.

92 VINHOLES, Luiz Carlos, em fax a nós enviado em 29/09/1999.

93 VINHOLES, Luiz Carlos, na bula que acompanha a partitura.

94 O compositor informou (no fax citado acima) que o material da série foi extraido do quarto capítulo do livro Studies in Counterpoint, de 1939, um manual didático de contraponto dodecafônico de Ernst Krenek. Vinholes conheceu o autor quando este esteve em São Paulo.

95 y, no caso, representa a classe de notas com que a série se inicia.

96 VINHOLES, Luiz Carlos, na bula que acompanha a partitura da Tempo-Espaço XV.

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