![]() Francisco Mignone autografando seu LP "16 valsas para fagote solo", Brasília - 1983 Disco Center |
Traços interpretativos e o cantabile nas valsas para fagote solo de Francisco Mignone |
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INTRODUÇÃO | ||
Como interpretar as valsas para fagote solo de Francisco Mignone? Isto pode parecer uma questão de retórica se levarmos em conta que as referidas valsas por si só, já exigem do executante uma boa técnica e a técnica aqui referenciada deve ser compreendida como constituída de conhecimento musical, aliada a um razoável potencial adquirido pelo método de aprendizado do instrumento. Portanto, para se tocar qualquer uma das valsas deste compositor brasileiro serão necessárias estas qualidades, tanto para um aluno avançado em seus estudos quanto para o fagotista profissional, assim sendo, esses executantes de fagote terão condições básicas de interpretar as referidas valsas solo. | ||
Existem grandes alusões sobre interpretações das valsas para fagote solo de Mignone, onde o executante pode colher diversas informações sobre como interpretar as valsas de uma forma mais embasada e convincente, isto é, com elementos teóricos e estéticos, com os quais possa discutir o porquê dessa ou daquela forma de execução. Isto se torna mportante para o intérprete e principalmente àquele que é docente. | ||
Podemos analisar essas peças morfologicamente e entender suas seções, frases ou sentenças, as terminações cadenciais e ainda tudo aquilo que pode ser absorvido como um saber teórico. Este saber poderá então fazer parte do acervo de compreensão pessoal-musical da obra. Tudo isto sem dúvida, somado ao sentimento[1] musical ¾ elemento fundamental do executante ¾, facilitará a interpretação da mesma e o intérprete mais confiante será bastante convincente na sua performance. | ||
A INTERPRETAÇÃO DAS VALSAS SOLO PARA FAGOTE DE FRANCISCO MIGNONE | ||
Sugiro
aos colegas interessados, que leiam atentamente a introdução que se
encontra na edição da Funarte das 16 valsas para fagote solo de
Francisco Mignone e escrita pela maior autoridade nesse assunto, o
renomado fagotista Noël Devos. Esta introdução é um guia importante
e singular para a compreensão desse acervo magnífico e único de
valsas ditas brasileiras. Se motivados pela
pesquisa quiserem ir mais fundo nesses estudos, existe a nossa Tese de
Mestrado: "Uma abordagem técnica e
interpretativa das 16 valsas solo para fagote de Francisco
Mignone".
Outras sugestões se passam pela discografia, pois a compreensão obtida pela captação auditivo-musical às vezes vale mais do que algumas teorias. Portanto um excelente guia é ouvir a primeira versão discográfica executada pelo ilustre e virtuose fagotista Noël Devos. Essa gravação foi realizada em 1981, no Rio de Janeiro, pela PROMEMUS/FUNARTE em 33rpm*. Também seria oportuno sugerir que se conheça a gravação das 24 Valsas Brasileira para piano e ainda as 16 Valsas de Esquina também para piano; a primeira executada pela pianista e viúva do compositor, Josephina Mignone e a segunda pelo próprio compositor. * veja também "Tributo a Mignone/Devos". |
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OS TRAÇOS MUSICAIS DAS VALSAS DE FRANCISCO MIGNONE | ||
Essas
valsas para piano têm traços musicais importantes no que se refere ao
estilo composicional de Mignone. Deve ser notada a textura harmônica ¾
que embora ausente nas valsas para fagote, deve permanecer para o
fagotista de forma evocativa como um "pano de fundo" da
melodia. ¾, outros traços importantes são: o movimento melódico da mão
esquerda, lembrando os movimentos improvisados do baixo do violão,
quando executando choros e melodias seresteiras, as seções em tons
menores e maiores, a execução articulada das apogiaturas, (que devem
ser valorizadas de acordo com o andamento da peça) e os movimentos agógicos.
Existirão detalhes outros, que serão percebidos por ouvidos afinizados
com esse universo musical Mignoniano; afinal de contas, as 16 Valsas
para fagote solo foi o penúltimo e refinado produto desse acervo de
composições com esse gênero musical, produzida por Francisco
Mignone[2] ao lado das 12 últimas Valsas brasileiras, obra finalizada
em 1984. É importante frisar, que na década de 80 nos seus últimos
anos de vida, Mignone confessa a sua busca pelos elementos musicais que
o motivou no passado da sua juventude em São Paulo, quando se deleitava
em tocar flauta nas serestas vividas nas esquinas da grande paulicéia,
sob a luz dos lampeões de gás, (Mignone, 1991). Foi com essa atmosfera
musical que o compositor impregnou as 16 valsas para fagote solo e as
valsas para piano. O "Rei da Valsa" assim chamado pelo poeta
Manuel Bandeira faleceu em fevereiro de 1986.
Para o intérprete como método comparativo, fica ainda a sugestão de conhecer as excelentes gravações executadas pelos fagotistas Andris Arnicans (Gravadora Melodia; CD1028093005; Moscou; 1989) e Barrick Stees (Mark Custom Recording Service; CD MCD 1380; N. Y.; 1994). |
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O CANTABILE NAS 16 VALSAS PARA FAGOTE SOLO DE FRANCISCO MIGNONE | ||
Quem
motivou o ensaio deste texto foi o compositor e escritor brasileiro,
Bruno Kieffer. Ele sugere que se faça esta abordagem no livro de sua
autoria: "Francisco Mignone, Vida e obra". Kieffer se reporta
à riqueza do cantabile das frases melódicas existente nessas valsas.
Isso faz grande sentido, pois Mignone recebeu em toda sua vida, uma
grande influência da música lírica e da ópera. Seu pai Alferio
Mignone, era músico italiano e afeito naturalmente ao estilo lírico e
a música cantada, foi ele quem iniciou Mignone nos estudo da música e
o levava aos palcos e platéias líricos da cidade de São Paulo; por
conclusão, a Itália, foi o país que acolheu o jovem estudante de música
que teve como seu professor e compositor, Vicenzo Ferroni que por sua
vez, foi discípulo do compositor e operista Massanet (Mignone;
Depoimentos; 1991).
Mignone entusiasmado pelo canto escreveu suas óperas e podemos exemplificar algumas como: O contratador de diamantes e L’innocente. As valsas para fagote solo estão repletas de momentos líricos e o seu estilo romântico evoca as frases cantadas ora em tons menores, ora em tons maiores. Embora todas as valsas tenham sido compostas em tons menores ¾ com exceção de Apanhei-te meu fagotinho em dó maior ¾, as seções intermediárias, ou de desenvolvimento, foram estruturadas em tons maiores. Isto dá às valsas uma atmosfera interiorizada nos tons menores e exteriorizada e alegre, nos tons maiores. Podemos perceber o cantábile sentindo-o como um canto interior, oriundo do próprio universo personalíssimo do intérprete, este deverá usar esse recurso como algo que tem na origem o sentimento. O vibrato pode ser comedidamente usado como recurso do cantábile, principalmente em momentos de tensões melódicas e harmônicas, ou ainda em momentos enfáticos como notas modulativas. Subjetivamente diríamos ao intérprete "cante esta frase!" Como trazer o canto ao sopro? Podemos compreender o sentido subjetivo ou metafórico do cantar no fagote, aproximando essa compreensão quando evocamos no sopro o canto. Tocar as valsas de Mignone pede essa lembrança, porque o próprio compositor sentia desta maneira[3]. As serestas tão apreciadas pelo jovem Mignone em 1920, eram principalmente cantadas em versos e o compositor elaborou as 16 valsas para fagote solo com os traços musicais dessa manifestação tão popular (Medeiros, 1995). Noël Devos nos conta que observou várias vezes o excelente pianista Francisco Mignone executando as valsas para fagote solo no piano, ele em alguns momentos incidia sobre as teclas seus longos dedos em movimentos que lembravam a técnica do vibrato no violino . Isto se dava em alguns movimentos melódicos, era como se ele quisesse fazer o piano cantar! (Devos; 1994). Às vezes ele abria seus imensos braços para enfatizar isto num gesto que parecia buscar ratificar essa necessidade tão perene nas suas obras. É mister que o executante de fagote tenha um bom domínio técnico da coluna de ar e do diafragma, para com esse recurso poder obter um vibrato regular, nuanças e "cores" diversas (diferenciações tímbricas). Isto será um grande coadjuvante do cantábile aplicado nessas valsas solo. Assistindo a um Master Class da Paula Robinson, famosa flautista americana, notamos que ela pedia ao aluno que cantasse a peça com sua própria voz, fazendo-o sentir que o "canto" na flauta deveria partir do canto do intérprete, do seu entusiasmo interior. Isto também vale como sugestão para o fagotista, isto pode despertar um significado e uma compreensão maior da obra em questão. Não podemos esquecer que o fagote ¾ ou qualquer outro instrumento ¾, é uma ferramenta ou artefato de expressão da nossa musicalidade, portanto fica aqui esta sugestão, cantem sem acanhamento, seja a partitura musical seja o que for. Pelas experiências pessoais, achamos que isto vale a pena, não só em executar as valsas de Mignone, mas toda a música em geral. A nossa tentativa de procurar dar um embasamento à interpretação das referidas valsas para fagote solo de Mignone, teve como intenção única, enriquecer o universo sonoro do intérprete e fagotista. Sabemos, contudo, que a música é mais do que tudo que aqui foi apresentado. Ela é uma grande ciência, que transcende os limites dos nossos sentimentos e da nossa própria dimensão. Talvez a entendendo tão grandiosa e sublime poderemos concebê-la na sua sublime complexidade. |
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BIBLIOGRAFIA | ||
KIEFER,
Bruno. Francisco Mignone, vida e obra; Porto Alegre: Movimento; 1983. MEDEIROS, Elione Alves de. Uma abordagem técnica e interpretativa das 16 valsas para Fagote solo de Francisco Mignone. Tese; 1995; UFRJ, RJ; Brasil. MIGNONE, Francisco. Depoimentos. Fundação Museu da Imagem e do Som, mar. 1991 HANSLICK, Eduard. Do belo musical; 3 Ed. UNICAMP; p. 13 CORTOT Interpretação musical [1]HANSLICK, Eduard. Do belo musical; 3
Ed. UNICAMP; p. 13 |
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