AIRTON BARBOSA,

uma estória de Denis Borges Barbosa

(do livro "Geometria sem vértices", 2004)

 

A TV Continental, canal 9, ficava na Rua das Laranjeiras, onde hoje funciona uma revendedora de automóveis. Decrépita, caquética, os iluminadores traziam e levavam as lâmpadas de casa. Uma câmara só. No banheiro não tinha nem água, cortada por falta de pagamento.

Mas era lá que Aírton Barbosa, fundador do Quinteto Villa-Lobos - tão cedo foi ele de uma vida talentosa -, tinha um programa vespertino de música clássica. Ou melhor – de jazz. Era improviso de começo ao fim. Lógico que ao vivo, e sempre no susto.

Bom que era a dois passos da Pró-Arte. Tarde de quinta feira, principalmente chovendo e com pouco aluno, o gostoso era ver se Aírton tinha um lugarzinho para tocar nas ondas hertzianas, com a delícia de seu fagote habilidoso e sensível, perfeito na leitura à primeira vista.

Um dia dos de temporal, Aírton, meu compadre Flávio Aprigliano e eu tínhamos anunciado um programa de Sammartini, divertimento grande para duas flautas e o baixo contínuo em fagote. O locutor, magro, mal vestido, faz o preâmbulo, o iluminador tira a lâmpada do bolso e coloca no holofote, e eu começo a tossir como um condenado. Era a chuva toda que eu pegara.

Simpatia, água morna, nada cura a tosse. O locutor, aterrado, alonga o início que não se encaixa em nada. Vem alguém com um xarope líquido. Uma colher. Duas. Vira a porra do vidro todo. E lá entramos no ar do jeito que dava.

Deu. Nada de tosse. No meio da segunda sonata, no largo ma non pesante, começamos eu e Flávio a improvisar, como o estilo do barroco italiano exige. Mas saiu uma vontade funda de fazer um jazzinho. Um pouco be-bop. Flávio acompanhou, de surpresa. Afinal, na audiência da TV Continental na tarde de quinta tempestuosa não havia nem mamãe. Cheio de dissonâncias estranhíssimas. Aírton Barbosa me olhou atravessado.

Mas a tarde estava maravilhosa. Que alegria em tocar! Giuseppe Sammartini, o autor das sonatas, que antes sempre eu achara chatinho, estava tão talentoso, tão inteligente. Lindo mais que tudo, o relógio verde do estúdio, agora com a cor de um lado, globo flutuante no espaço, e o quadrante de outro, sem cor alguma, só máquina.

“Beladona”, descobriu meu pai, que veio me recolher hora e meia depois. Uma dose cavalar no xarope... Completamente dopado, eu continuava longe. Aírton acabara o programa fazia tempo, e eu continuava tocando em pleno séc. XVIII.

AIRTON BARBOSA, 30 anos de saudades - álbum de retratos

AIRTON BARBOSA, em Preciso me encontrar, de Cartola

 

 

DENIS BORGES BARBOSA é advogado no Rio de Janeiro. Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Guanabara. Mestre em Direito pela Columbia University School of Law, Nova York. Mestre em Direito Empresarial pela Universidade Gama Filho. Doutor em Direito Internacional e da Integração Econômica pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É autor ou co-autor de 34 livros e 172 outras publicações, no Brasil e no Exterior. Procurador do Município do Rio de Janeiro, aposentado. Atualmente é professor colaborador da Faculdade de DIreito da UERJ, e docente no Mestrado Profissional em Propriedade intelectual do INPI e nos Cursos de pós-graduação (lato sensu-Especialização) em Propriedade Intelectual da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, da Universidade Cândido Mendes, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, da Fundação Getúlio Vargas - SP, do Centro de Extensão Universitária - CEU. (SP) e do UNICURITIBA. Diretor de Grotius Capital Intelectual, Sócio de Denis Borges Barbosa Advogados. Tem experiência de 39 anos na área de Direito, com ênfase em Propriedade Intelectual, atuando principalmente nos seguintes temas: propriedade intelectual, direito tributário, capital estrangeiro, contratos de transferência de tecnologia e transferência de tecnologia.

Atividades musicais de DENIS BORGES BARBOSA

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