Uma pessoa que vá assistir uma orquestra sinfônica se depara com um
grande número de instrumentos
diferentes entre si. Mesmo o freqüentador mais assíduo tem, por vezes, dificuldades em identificar
alguns deles, devido à diversidade de tamanhos, formas e nuances... Um desses instrumentos que
chama a atenção (fica muitas vezes escondido no meio da orquestra) é o
FAGOTE: um instrumento de
forma um tanto exótica, na maioria das vezes vermelho, se parecendo com um enorme tubo revestido
de chaves prateadas...
Refazer a “história genealógica” do fagote é voltar à época do Renascimento e se perder um pouco em
documentos imprecisos e desfeitos pela história... À essa época não havia uma música instrumental
propriamente dita, mas tão somente instrumentos que, com poucas exceções (fanfarras militares,
música de dança e algum folclore), repetiam aquilo que já era cantado pela voz
humana. O canto a
quatro vozes era então a regra e para que os instrumentos pudessem atender à tessitura de cada uma
das vozes humanas (soprano, contralto, tenor, baixo) eles eram construídos em diferentes
tamanhos,
constituindo-se assim em “famílias de instrumentos”: instrumentos menores tinham som mais agudo, os
maiores, mais grave. Existiam, entre outras, famílias de violas, de flautas, de
cornamusas... Até aqui a
história do fagote se confunde em parte com a de outros instrumentos.
É bem provável que o fagote tenha tido sua origem em um instrumento grave de
uma dessas famílias de instrumentos de palhetas duplas: as bombardas. A bombarda-baixo era de um tamanho quase
descomunal, necessitando por vezes de uma pessoa que a segurasse para que outra a pudesse tocar.
Como a criatividade humana não conhece fronteiras, o problema logo se resolveu... Assim, a solução
encontrada foi a de dobrar ao meio um instrumento que tinha mais de dois metros de comprimento!
Este procedimento reduziu por certo suas dimensões, mas teve também como conseqüência uma
alteração da sonoridade; e a bombarda, inicialmente de som áspero e até agressivo, passou a ter um
som mais suave, mais “dolce”, a tal ponto que tomou daí o seu novo nome:
DULCIANA.
Com o acréscimo de algumas chaves necessárias para que os dedos pudessem
operar os orifícios mais distantes e algumas alterações de perfuração e dimensões, este passou a ser o fagote barroco.
Existe uma certa crença de que o nome fagote venha do italiano “il fagotto”, o que quer significar: um
amontoado de coisas, como por exemplo, um feixe de lenha, numa alusão ao formato que o instrumento
assumiu com sua dobra ao meio. Em francês o fagote atende pelo nome de basson (uma alusão ao seu
“som de baixo”?). A nomenclatura inglesa é bassoon.
A passagem para o século XIX, uma época acentuadamente progressista,
baseando suas pesquisas na acústica, ressaltou a preocupação pela afinação e sonoridade do instrumento, fazendo o fagote passar
por uma série de inovações e melhoramentos. É a partir de então que ficam mais diferenciados os
sistemas hoje conhecidos como sistemas alemão e francês. O sistema francês se firmou através de construtores como Savary e
Triébert, que seguiam uma linha de
construção mais conservadora. Atualmente o fagote sistema francês é tido como um
instrumento que executa com mais facilidade passagens no agudo e tem como
característica um som mais ou menos anasalado. Buffet-Crampon é o nome que, em nossos dias, se tornou praticamente sinônimo do fagote
construído no sistema francês.
Na Alemanha, Carl Almenräder (1786-1843), com sua criatividade e muitas
inovações, é de fundamental importância no desenvolvimento do fagote sistema alemão; aliando-se a Johann Adam Heckel
(1812-1877), um jovem e talentoso construtor de instrumentos, desenvolveu o fagote, dotando-o de
um novo mecanismo a alterando-lhe também as dimensões de perfuração. Esse novo instrumento é a
base do fagote moderno alemão, que atualmente também é conhecido como “sistema Heckel”.
Para o ouvinte a diferença de sistemas se faz sentir sobretudo através da sonoridade e do aspecto
visual do instrumento; para o fagotista, além destas, existe a grande diferença do mecanismo das
chaves, que faz com que o dedilhado usado em um instrumento não seja aplicável a outro.
Independentemente se o fagote é baseado no sistema francês ou alemão, ele se compõe de uma parte
construída de metal (bocal) e de quatro partes construídas de madeira (asa, culatra, baixo e
campana), que se encaixam uma na outra e que, quando montadas, perfazem um tubo cônico de
235cm, tendo um diâmetro inicial de 4mm. e finalizando em 4 cm. No tocante às partes de madeira, quando o sistema é alemão, o fagote é quase sempre construído em
ácer (em alemão: Ahorn; em inglês: maple wood); quando seu sistema é francês, a madeira usada é
tradicionalmente o jacarandá. Como o ácer é uma madeira muito clara, quase branca, o fagote é
normalmente tingido com alguma coloração que lembre a nobreza da cor do mogno. O jacarandá, por
ser já de natureza mais escuro, não recebe corante e tende automaticamente ao marrom. Mas não é a
cor que importa; ela é um acessório meramente estético...O fagote é o baixo do grupo das madeiras (flauta, oboé, clarineta, fagote) e realizador de uma
extensão sonora bastante ampla: são mais de três oitavas, abrangendo do sib –1 até o mi 4
(tomando-se como base o dó central = dó 3). Atualmente instrumentos mais apurados,
instrumentistas
mais ousados e uma literatura mais exigente estão fazendo extrapolar essa
tessitura, forçando o
fagotista a tocar, em certos casos, até o sol 4. O som do fagote é produzido, tal como na bombarda
renascentista, por uma palheta dupla aplicada a um bocal em forma de “S” e feita vibrar pela boca do
instrumentista através do sopro.
As exigências de sonoridade da orquestra moderna e o desenvolvimento
ds instrumentos fazem com
que cada um dos instrumentos das madeiras tenha um ou mais “parentes” próximos: flauta
- flautim;
oboé - corne inglês; clarineta - clarone. No caso do fagote o parente próximo é o
contrafagote, que
soa uma oitava abaixo do fagote.
O fagote é de construção bastante complexa, sobretudo em função da dobra do instrumento, onde, em
uma só peça, na chamada culatra, existem dois furos: um descendente e outro ascendente unidos por
uma válvula em forma de “U”. Por isso, contam-se quase que literalmente nos dedos os fabricantes de
fagote pelo mundo afora, estando os principais representantes na Alemanha, França, Estados Unidos e
Japão. O Brasil está modesta mas orgulhosamente representado neste seleto rol de fabricantes com o
autor deste pequeno histórico do fagote, que, há cerca de 10 de anos, se aventura com sucesso
nesse campo, usando para isso madeiras brasileiras.
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