Conversa de fagotista |
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- adolfo almeida junior - |
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o portal do fagote entrevistou Adolfo Almeida Jr. em agosto de 2006.
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portal - Em sua atividade musical, o que veio primeiro, o popular ou o erudito? | |||
Adolfo - Primeiro mesmo foi o popular, compondo canções ao violão
mal tocado (1974).
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portal - Como é a convivência destas duas facetas da música? | |||
Adolfo - Depende do enfoque que eu dê à palavra convivência. A
convivência do exercício de dois tipos de música eu acho que ajuda. Um
ajuda a preparar o outro, a consolidar. Mas a convivência com estes dois
universos é meio esquisita. São diferentes e eu opto por uma média, não
me sinto nem um músico erudito e nem popular.
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portal - como se encontrou com o fagote? | |||
Adolfo - Conheci o fagote assistindo aos concertos da OSPA no ano em que iniciei a teoria musical na Escola da OSPA (1975). Eu preferia estudar contrabaixo, mas o maestro que nos dava aulas achou que eu tinha mão de fagotista e eu gostei da idéia, pois o exotismo da aparência e do som do fagote já me fascinava. Meu primeiro encontro com o instrumento foi em 1975 quando me emprestaram um Heckel antigo na própria Escola. | |||
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portal - Trata-se do fagote Heckel 6304, de 1926, que foi reformado na "oficina do fagote" em Brasília? | |||
Adolfo - esse mesmo; tenho inclusive aqui algumas fotos deste instrumento, tiradas antes da reforma... se quiser ampliar, é só clicar na foto! | |||
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portal - e a partir de então, com quem aprendeu a tocar o fagote? | |||
Adolfo - Estudei fagote na Escola da
OSPA (início em 1976) com o prof. Günter Kramm e também fui aluno de
Alai Lacour, Ângelo Pestana e Noel Devos em cursos de férias em Brasília
e em Blumenau. Concluí o bacharelado em Composição Musical na UFRGS,
onde fui aluno de Armando Albuquerque e Bruno Kiefer.
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portal - A OSPA é uma orquestra de projeção nacional, como é ser fagotista nesta orquestra? | |||
Adolfo - Minha vida está
ligada à Ospa; ingressei na orquestra com 17 anos, em 1978, tocando
contrafagote. Posteriormente toquei segundo fagote por uns 12 anos e
depois assumi o primeiro fagote. É uma orquestra muito ativa que já
recebeu muitos maestros e solistas internacionais. Já tive a experiência
de tocar acompanhando o Pavarotti e receber uma aula dele para solar
"Uma furtiva lágrima", por exemplo. Mas institucionalmente vamos sempre
lutando. Já fui presidente da Associação dos Funcionários e
representante dos músicos na Direção Artística numa experiência
democrática que tivemos.
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portal - como é seu relacionamento com alunos? | |||
Adolfo - Meu relacionamento com os
alunos é muito bom, ultrapassando o mero ensino do instrumento. Sempre
discutimos tudo o que é pertinente e todos se enriquecem nesta troca.
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portal - o que eles mais procuram: tocar fagote ou aprender a improvisar? | |||
Adolfo - Ninguém me procurou para aprender a improvisar, ainda bem,
pois não saberia como ensinar. Posso ajudar a praticar a improvisação,
mas não ensinar. Assim como se pode aprender a usar o material de pesca,
mas pescar mesmo é na prática, não se aprende antes. Quanto aos alunos,
somando os fixos com aqueles do interior, que vem quando podem, tenho 8
alunos de fagote, quantidade recorde no Rio Grande do Sul. Sou professor
no Conservatório Pablo Komlos, que é o novo nome da Escola da OSPA, que
está passando neste momento pela incerteza da continuidade do trabalho.
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portal - como se dá em Você o ato de interpretar-compor-improvisar? | |||
Adolfo - tenho um interesse genuíno de ser um veículo para propiciar
o espetáculo, que é um exercício artístico. E a arte é uma possibilidade
fora do convencional da vida, um exercício de imaginação, um meio de
mexer com o abstrato, de entrar nas pessoas, lidando com suas mentes.
Não importa se isso ocorre interpretando, compondo ou improvisando,
sempre encaro com muita seriedade, respeito e entrega para o resultado.
(Improvisando tenho noção da responsabilidade e preciso de concentração
total).
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portal - e sua experiência com conjuntos de música popular? | |||
Adolfo - Atualmente toco com o Arthur
de Faria e Seu Conjunto (
www.seuconjunto.com.br ) que é um grupo liderada por um cara que faz
uma música diversificada, misturando ritmos e estilos. Com este grupo
vamos agora em setembro para um festival em Barcelona, e estivemos no
ano de 2000 em Viena. O outro grupo, chamava-se Pikardia, era com
amigos, mas esse encerrou as atividades. Lá nos anos 80 eu participava
do grupo Bosque das Bruxas, onde compunha e tocava flautas e fagote.
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portal - Existe uma certa história em que seu fagote quase derreteu!... | |||
Adolfo - Este fato eu não gosto de lembrar: em um show em São Paulo
fui ao camarim e deixei o fagote encostado num canto ao lado do palco;
quando voltei, peguei o instrumento e entrei para tocar. Em cena
descobri que a parte inferior do instrumento estava tão quente que
queimava a mão, e tinha uma espuma ou gosma nesta parte. Bem, eu quase
desmaiei com o fato e sem saber o que estava acontecendo fui tocando com
algumas notas falhando e comecei a selecionar e substituir notas por
outras dos acordes e assim foi. Depois soube que os técnicos largaram
uma daquelas máquinas de fazer fumaça no mesmo lugar do fagote e ele
levou aquela fumaça quente que chegou a derreter o verniz do
instrumento. Na manhã seguinte me vali da ajuda do João Cuca e sua
oficina, que só precisou recolocar uma sapatilha, que tinha sido
destruida pelo calor. Posteriormente o Prof. Hary recuperou todo estrago
ocorrido no instrumento.
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portal - Você acaba de gravar PARADOXOS PARA TODOS; como teve a idéia de lançar um CD só de improvisos? | |||
Adolfo - Achei que estava na hora de
lançar um CD, e pela aversão de tentar divulgar e ficar na expectativa
de um "sucesso", resolvi fazer logo uma coisa que eu gosto e acredito,
mesmo sabendo que seria algo anti-comercial. Já que é difícil vender um
CD, vou fazer logo um CD de algo que ninguém teve a coragem de fazer por
ser invendável. E aí comecei a considerar este trabalho um paradoxo. -
Mesmo porque, improvisos livres, música livre, é algo proibido, já que
foge aos padrões e anarquiza o estabelecido.
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portal - quais tem sido as primeiras repercussões? | |||
Adolfo - Muito boas. A crítica da
revista eletrônica
GAFIEIRAS do dia 25 de agosto foi
ótima, assim como o comentário de Hary Schweizer no grupo dos fagotistas
(trecho reproduzido no cabeçalho desta entrevista). No dia 4 de outubro
farei o lançamento oficial do CD no espaço chamado Estúdio Clio, em
Porto Alegre. Vou com calma, distribuindo aos poucos.
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portal - como foi a experiência de tocar sozinho oito fagotes numa peça só?... | |||
Adolfo - Foi uma experiência muito
legal. Considerando que a peça "Manequim" que envolve 8 fagotes + 1
contrafagote era a única obra do CD não improvisada, lamentei não poder
ensaiar antes, o que teria sido impossível, já que
toquei comigo mesmo e assim o grupo é virtual e não teria como ensaiar.
Se tivesse mais grana poderia ter experimentado mais no estúdio para
aprimorar a interpretação desta peça, mas foi divertido ouvir um grupo
de adolfos. Por outro lado eu me adapto bem a estúdios e sei confiar nos
técnicos (quando são bons).
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portal - ... e a de improvisar com outros músicos? | |||
Adolfo -
Foi uma experiência muito boa, onde lidei
com o fato de cada um ter uma maneira diferente de se relacionar durante
o improviso; e isso foi enriquecedor e muito gratificante.
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portal - qual a sensação de tocar fagote numa caverna? de quem foi a idéia? | |||
Adolfo - Estive em Santa Cruz do Sul
para tocar com a Orquestra de Câmara do Teatro São Pedro acompanhando o
Renato Borghetti e, como fui de carro mais, resolvi visitar um parque da
cidade. Lá conheci a Caverna do Índio, que foi escavada pela água há
milhões de anos. Acho muito tocante estes lugares ímpares, que nos
depõem sobre a história e o destino... Imaginei como seria o som do
fagote e como seria inspirador tocar lá dentro. Quando iniciei o projeto
do CD, resolvi me aventurar e gravar lá. É bom tocar lá dentro, foi
interessante, mas trabalhoso. E achei que o som ao vivo era mais
impressionante do que o resultado da gravação.
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portal - algum conselho aos fagotistas? | |||
Adolfo - Aproveitem este som rico em
harmônicos de vosso fagote, deliciem-se!
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portal - Você dedica o CD ao músico que existe em cada pessoa... | |||
Adolfo - Todas as pessoas tem
inteligência musical e portanto pode se dizer que todas tem um pouco de
música dentro de si. Algumas usam mais este dom, exercitam, gostam de
mostrar o resultado para outras; enquanto outras só usam para
compreender as músicas que escutam, para desfrutar as sensações causadas
pela música, entre elas a prática da dança. Mas todas que exercitarem a
música estarão mais aptas a enfrentar situações em que nosso cérebro
precisa de todos subsídios possíveis. Eu acredito que todas as pessoas
podem praticar a improvisação musical, cada uma no seu nível de domínio
técnico, como exercício lúdico da inteligência musical.
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portal - e para comprar o CD? | |||
Adolfo - me escreva ou me telefone:
adolfo_fg@yahoo.com.br - 51
3246-7520 - Aproveito para agradecer ao portal e deixar a todos um
grande abraço "paradoxal"!...
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