conversa de fagotista
ALEXANDRE SILVÉRIO
|
Alexandre Silvério,
testando o "Moisés", o fagote que poucos dias depois
ficou inundado nas dependências de uma agência dos correios em
Blumenau, devido às enchentes ocorridas em SC.
|
Alexandre Silvério, nascido em
1975 na cidade de Osasco, iniciou seus estudos de fagote em
1990, na Escola Municipal de Música de São Paulo, sob orientação
do prof. Gustave Busch. Em 1992 passou a estudar com Francisco
Formiga. Integrou várias orquestras no Estado de São Paulo.
Participou de diversos cursos e master classes, nos quais recebeu
orientações de Noel Devos, Cláudio Gonella e Afonso Venturieri.
Venceu quatro vezes consecutivas o concurso "Jovens Solistas da
Orquestra Experimental de Repertório", e em 1996 "Jovens
Solistas da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo", ocasião
em que interpretou o concerto de Weber com transmissão para a
Rádio e Televisão Cultura (RTC). Em 1997 passou a integrar a
Osesp, onde é atualmente fagote solista. Dois anos depois
recebeu bolsa de estudos concedida pela Fundação Vitae para
estudar em Berlim, na Alemanha, na classe de solistas do
renomado professor Klaus Thunemann , obtendo em 2001 seu diploma
com nota máxima. Em Janeiro de 2002 foi novamente agraciado pela
mesma fundação para dar continuidade a seus estudos na Academia
da Orquestra Filarmônica de Berlim. Atuou com músicos renomados
em concertos de música de câmera, como Radovan Vlatkovic, David
Geringas, Christoph Poppen, Sofia Gubaidulina, Klaus Thunemann,
bem como em renomadas orquestras: Deutsche Kammerorchester,
Berliner Sinfonie Orchester, e diversos concertos e turnês
com a Orquestra Filarmônica de Berlim, sob a batuta de Sir Simon Rattle, Pierre Boulez, Mariss Jansons, Nikolaus Harnoncourt,
Seiji Ozawa , John Elliot Gardner, Andre Previn, Christian
Thielemann, entre outros.
|
_______________________________________________________________
entrevista concedida
ao portal do fagote em fevereiro de 2009
_______________________________________________________________
|
Portal - São muitos os caminhos que fazem uma pessoa tocar fagote. Qual foi o
seu?
|
Alexandre - Comecei a tocar fagote quase que por acaso; eu tocava flauta doce,
de maneira bastante autodidata. Num belo dia resolvi ir ao centro de
São Paulo comprar um disco de flauta doce, e encontrei um disco da Michala Petri. Comprei na hora, sem saber muito qual era o repertório,
pois gostava da Petri e era o único disco de flauta doce que
tinha na loja. Quando cheguei em casa, coloquei o disco para tocar e vi
que tinha o concerto de Telemann pra flauta doce e fagote...nem sabia
direito o que era o um fagote, sabia que era um instrumento
esquisitão! Quando ouvi o som fiquei apaixonado; quem tocava naquela
gravação era nada mais nada menos do que Klaus Thunemann....a partir de
então não quis mais saber da flauta, fui atrás do fagote. Na época não
era tão complicado; fiquei sabendo que a Escola Municipal possuia um
instrumento para os alunos estudarem, e resolvi me inscrever lá...foi assim
que, em 1990, comecei a estudar o fagote com o querido falecido prof .
Gustave Busch.
|
Portal - Estudar fagote
é uma coisa, ter seu próprio instrumento é outra. Quais foram
seus fagotes?
|
Alexandre - Passaram-se os anos, e tive que comprar um instrumento para poder
trabalhar profissionalmente. Meu primeiro instrumento foi um Hueller,
que tinha passado pela mão de muita gente, inclusive pelo Olivier Toni e
pela Renata Botti; comprei do Ditinho, um saxofonista de Tatuí; ele me
vendeu por mil dólares, generosamente em muitas prestações; era a única
maneira possível de eu adquirir um instrumento, que aliás, me serviu
muito, apesar de estar num estado muito precário, com rachaduras,
chaves que se quebravam com facilidade, mas tinha uma sonoridade
razoável até. O Formiga me ajudou muito a ir ajustando aos poucos esse
instrumento, e na época fomos ate Belo Horizonte encontrar o Benjamim Coelho; a
reforma dele praticamente transformou meu fagote (Obrigado Benjamim!
eternamente grato!). Depois comprei o Schreiber, que era do Busch, um instrumento
novinho e semi profissional; mais tarde comprei o Puechner do Mamão, um fagote muito bom; depois passei por um Moennig,
que ficou dois anos comigo... e agora toco com Yamaha 812 c; gosto
muito deste meu instrumento atual...é o melhor que já tive!
|
Portal - Sua formação profissional se deu na Alemanha...como chegou lá?
|
Alexandre - Em meu tempo de estudante, a Fundação Vitae concedia, mediante
provas, bolsas de estudos a jovens músicos que quisessem estudar no
exterior. Encontrei o prof. Thunemann em Berlim, quando toquei para ele
pela primeira vez (quem me ajudou a organizar essa audição foi
o Afonso Venturieri; eu não falava nada de alemão e jamais me atreveria
a ligar para o Thunemann sem conhecê-lo...obrigado Afonso!); fui aceito como aluno dele, mas ainda teria que prestar uma prova ,
nada estava definido...fiz a prova, passei e também fui
aprovado pela Vitae e
assim consegui a bolsa para estudar em Berlim. Foi
muito especial estudar com o meu ídolo, o fagotista que eu ouvia em
gravações e era a minha referência (ainda é!); cada aula durava cerca de
uma hora e meia, e a gente aprendia muito com o Thunemann. Ele era muito
exigente, e ele sabia muito de tudo que você levasse para tocar para
ele...inclusive as partes de acompanhamento de piano. Eu ficava muito
impressionado por que ele tinha ao vivo o mesmo som dos discos, ali na
minha frente, era incrível, tinha muita energia e disposição de
tocar. Ele estava com mais de 60 anos de idade e dizia que ainda
estudava umas 4 horas por dia...então lá em Berlim, tudo o que todos queriam fazer na classe era praticar muito. Thunemann era uma
grande inspiração para todos os alunos. Tres anos depois consegui outra
bolsa da Vitae para estudar na Academia da Filarmônica de Berlim, o que
foi muito especial também; o fato de conviver cotidianamente com aqueles
grandes músicos, fazer aulas, e ainda poder tocar com eles em alguns
concertos foi muito marcante pra mim. Agradeço muito a Deus pela
oportunidade que a vida me deu de ter estado lá na Alemanha!
|
Portal - a experiência
que adquiriu no dia-a-dia lá deve ter sido fantástica! E hoje Você
é fagote solista da OSESP?
|
Alexandre
-
Estou na OSESP desde 1997, entrei na fase da reestruturação da
orquestra.Também posso dizer que aprendi muito nessa orquestra, ao tocar com
gente muito mais experiente do que eu, eu tinha 22 anos quando
comecei; é um trabalho muito sério; temos que estar bem
familiarizados com o repertório desde o primeiro ensaio.
|
Portal - Além da música sinfônica vemos seu nome seguidamente ligado ao jazz
e ao popular...
|
Alexandre - A minha
pesquisa com jazz é algo que faço desde 1994...eu estava
passeando um dia com o prof. Formiga em uma loja de música, e
a gente pesquisava muitas coisas na época, inclusive de tentar
expandir mais a nossa técnica, buscar novos horizontes, e ele sugeriu
que comprássemos alguma partitura/método de saxofone, flauta, ou até
mesmo violino....acabamos comprando um livro do Charlie Parker, era o Omnibook.
Compramos e dividimos o livro....a partir daí eu gostei de praticar
aquelas notas no meu fagote, e fui ficando curioso para entender um pouco
mais sobre jazz. Procurei pelo saxofonista Roberto Sion, marquei
algumas aulas com ele, e ele me passou muitos princípios sobre jazz e
improvisação. Na época eu não conhecia ninguém tocando jazz no
fagote. Por isso as minhas referências foram saxofonistas e
trompetistas: o próprio Parker, John Coltrane, Wynton Marsalis, Duke
Ellington, Gerry Mulligan; o Proveta também me influenciou muito, eu
sempre assistia a Banda Mantiqueira às segundas feiras, e passei a
participar de algumas jam sessions; eu ia aos bares de jazz assistir apresentações e, antes do show acabar, lá pelas 2 da madrugada,
começava a jam session...aí eu tirava o fagote do estojo e tocava junto
com o pessoal. Na época também montei um quarteto de jazz, e passamos a fazer algumas
apresentações; éramos um quarteto onde, além do fagote tínhamos guitarra, baixo e bateria.
Apanhei muito com a questão da amplificação...testei diversos tipos de
microfones, amplificadores; o fagote é sabidamente um instrumento complicadíssimo
de amplificar com uma boa qualidade sonora; ate hoje não estou
muito satisfeito com minha amplificação, mas o melhor resultado que
obtive até agora foi usando microfones condensadores. Também uso alguns
efeitos com pedais, tenho uma pedaleira de guitarra completa, alguns
pedais individuais, vários microfones, enfim já gastei muito dinheiro
com todos esses trecos estranhos para quem toca um instrumento
tradicionalmente sinfônico.
|
Portal - vejo que
Você se entusiasmou muito mais quando discorreu sobre o jazz do que sobre a música
sinfônica...
|
Alexandre - Atualmente
estou tentando me desenvolver mais como músico de jazz, mas
paralelamente também eu gosto muito de tocar na orquestra... é
um tanto difícil encontrar tempo para fazer as duas coisas
simultaneamente
com profundidade, alem de fazer palhetas, dar aulas na escola de
musica...
|
Portal - Você
recentemente anunciou um CD seu,
que teria por título "Mágoas de Fagote"...
|
Alexandre - Mágoas de
Fagote é uma composição de Tom Jobim. Eu nunca a tinha ouvido.Tomei conhecimento dela a partir do CD "Com
Licença!..." de Hary Schweizer, que a documentara em primeira gravação,
e gostei muito..eu sempre gostei muito da música de Jobim, então resolvi
fazer uma versão harmonizada dessa composição. Achei importante incluí-la no meu CD para divulgar
uma música ainda é um pouco
desconhecida do público, e também pelo próprio nome dela, mágoas de
fagote...o fagote realmente é um instrumento de som melancólico; e
na época da gravação do CD eu estava num momento meio triste da
vida...então achei Mágoas de Fagote um título bem
sugestivo. Gravei músicas que gosto, algumas de Jazz e outras do
repertório da música brasileira, algumas do Coltrane, algumas do Jobim, e tem uma
música minha, a minha primeira composição. Os arranjos, alguns eu
fiz, outros foram coletivos da banda. Gravei com músicos que são
amigos com quem eu mais tenho
tocado nos últimos anos.
|
Portal - Quer antecipar um pouco deste seu trabalho?
|
Alexandre - existe um
pouco de mim em: www.myspace.com/alexandrefoo
|
Portal - e no Youtube,
esta ferramenta que está "desnudando" todo mundo na internet,
tem algo?
|
Alexandre - entre outras
coisas tenho lá um arranjo
meu para quinteto de fagotes, recentemente executado no Encontro
de Fagotistas em Jaraguá do Sul (SC):
http://www.youtube. com/watch? v=_Ao7mzEmVAc
e o documento de uma apresentação de caráter jazzístico:
http://www.youtube.com/watch?v=rKwx1T-jsRk
|
Portal - Quando vamos poder ter acesso integral ao CD?
|
Alexandre - O lançamento infelizmente ainda não ocorreu, estou tendo uma certa
dificuldade de encontrar um selo para o meu CD, os empreendedores
musicais do nosso país ainda não incentivam tanto estilos musicais
que não deem retorno financeiro, lastimável! mas estou na
expectativa de que o CD esteja disponível até o meio do ano.
|
Portal - Com sua rica
vivência musical o que gostaria de dizer a quem está envolvido no
aprendizado do fagote?
|
Alexandre - Bom, para ser fagotista Você tem que gostar muito do instrumento,
mas muito mesmo! É um instrumento que, quando você começa a aprender
parece até um pouco fácil, mas depois que você vai se aprofundando é
que descobre a enrascada em que se meteu! tocar pianíssimo e' sempre
difícil, tocar forte de verdade também é! A técnica é complicada, alem
das palhetas...a não ser que Você tenha uma boa reserva financeira
e compre muitas palhetas do Formiga! (rs)
|
Mas se você se empenha de verdade o resultado é gratificante; ainda, cá entre nós,
comparado a outros instrumentos sabemos que existem poucos
fagotistas no mundo. É um instrumento que, se você gostar de verdade e
estudar bastante, terá grandes chances de trabalhar com isso. No
erudito já é assim...no popular então! quantos
fagotistas vocês conhecem que tocam popular? acho que eu consigo
contar nos dedos de uma mão! Está aí um campo ainda a ser
explorado... diferente de flauta, saxofone, em que eu já vi muita
gente tocar muito bem, e mesmo assim não poder exercer a profissão por falta de
vagas no seu instrumento no campo profissional. Então, fagotistas,
temos que aproveitar esse nosso diferencial! E é claro, estudar
muito...horas ...horas...e mais horas!
|
Para quem esta começando, aproveitem que hoje está tudo muito mais acessível: partituras, conseguimos pela internet;
palhetas,
no e-bay; gravações de referência, a internet está
cheia (antigamente não existia nada disso, para conseguir uma
gravação de fagote era um parto!); instrumento, temos até fagote de
fabricação nacional...então, é só ter disposição e aproveitar! E, então, tocar esse lindo instrumento de som melancólico,
excêntrico, e que diz muito com a sua voz peculiar. É o nosso
objetivo, acho.
|
Não devemos nos esquecer que musica é linguagem,
e que no nosso caso, falamos através do fagote...
|
Portal - o portal do fagote lhe agradece tanta riqueza de informação!
|
Alexandre - É isso...muito obrigado, prof. Hary, pela oportunidade dessa
entrevista! abraço a todos e boa sorte!
|
página
inicial |