conversa de fagotista

benjamin coelho 

 

Benjamin Coelho, de tradicional família de músicos da cidade de Tatuí (SP), mora atualmente nos Estados Unidos, onde leciona na Universidade de IOWA. Tem participação esporádica nas orquestras de Waterloo/Cedar Falls Symphony Orchestra, Cedar Rapids Opera Theatre, Des Moines Metro Opera e na Quad City Symphony Orchestra. Toca regularmente como fagotista solista da Cedar Rapids Symphony Orchestra e  no Quinteto de Sopros da Universidade de IOWA. Tem quatro CDs gravados e um em fase de finalização, nos quais prioriza obras que representem uma contribuição significativa para o repertório do fagote.
 

 

entrevista feita por GUSTAVO KOBERSTEIN em junho de 2007

 

Gustavo - Como foi sua escolha pela música? Você teve alguma influência da família?

Benjamin - Bem, é uma história um pouco longa… Eu sou de uma família de músicos, da cidade de Tatuí. Existe lá o Conservatório Dramático e Musical “Doutor Carlos de Campos”, no qual meu pai, José Coelho, era o diretor. Eu, quando tinha oito anos de idade, comecei a estudar música tocando flauta doce. Com 10 anos estava na hora de começar outro instrumento. Eu queria estudar violão, mas como eu vinha de uma família de músicos com tradição mais para instrumentos de sopros, meu pai disse “não, violão é muito sozinho, é só para boêmio, escolhe um outro instrumento...”

 

Gustavo - e como chegou ao fagote?
Benjamin - Eu tinha dois primos estudando fagote e achei que este podia ser um instrumento para mim. Então, todo satisfeito e contente, com 10 anos de idade, fui para a aula de fagote. O professor era o Gustave Busch; e ele me falou: “não, não, você não pode tocar fagote porque você é muito pequeno. Tem que ter quatorze anos de idade para tocar fagote”. Fui para casa muito triste, quase chorando… Relatei isso a meu pai, ao que ele respondeu: “Não se preocupe, pois na próxima semana você volta lá que vai estar tudo certo!”. O Busch não sabia que eu era filho do diretor! "Sim, sim, sim, mas você vem só para assistir as aulas dos outros alunos e depois você começa a estudar”, falou o prof. Busch quando lá voltei... Eu me lembro muito bem, como se fosse hoje, da minha primeira aula de palheta. O Prof. Busch e os alunos estavam tentando fazer funcionar uma daquelas palhetas francesas compradas na casa Manon, em São Paulo. O conservatório comprava as palhetas e depois a gente tentava consertá-las! Tinha uma que não ficou boa para ninguém! E eles iam jogar a palheta fora! E eu ainda não tinha a minha. O Zé Antonio, um fagotista fantástico, muito musical e o melhor da classe, com um som de fagote muito bonito pelo qual até hoje eu sou apaixonado, falou: “O Neto (assim que eu era chamado, o meu nome completo é Benjamin Antonio Coelho Neto) não tem uma palheta; vamos dar essa p'ra ele!”  Foi minha primeira palheta e sinto pena que eu não a tenha guardado… a minha primeira palheta! Como o Busch não me deixava tocar na aula, eu ia ao conservatório quando os meus primos estavam estudando, e então tocava no fagote deles. Os professores do conservatório, que vinham de ônibus de São Paulo, eram professores lotados no Teatro Municipal e na banda da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Depois de um tempo o Prof. Busch não pode vir mais. A partir de então passei a ter aulas com Clóvis Franco, que eu considero ter sido realmente meu primeiro professor de fagote.

 

Gustavo - Depois que você se formou no conservatório o que aconteceu?
Benjamin - Depois de 5 ou 6 anos eu estava me formando no colégio, e naquela época meus dois irmãos mais velhos, o Carlos (oboé) e o Tadeu (flauta), já estavam estudando nos Estados Unidos, em New York. Eles queriam que eu fosse para lá estudar fagote. Eu tinha o curso de fagote do conservatório, que era um curso técnico; pretendia ficar em Tatuí mais um ano para aprender inglês e depois ir para os Estados Unidos. A insistência de meus irmãos foi grande, apesar de eu não falar nenhuma palavra em inglês. A escola na época não tinha o requerimento do TOEFL; mas ao pessoal da escola em New York meus irmãos garantiram que eu falava inglês. Na época eu tinha 17 anos. O Carlos foi comigo no consulado em São Paulo para pegar o visto de estudante. Então eles me chamaram para a entrevista. Quando chegamos no guichê, o Carlos estava respondendo as perguntas da  entrevista, tudo em inglês. O atendente do consulado foi muito simpático, até o momento que o Carlos disse que ele não era o Benjamin... Então, na presença de meu irmão, fez a entrevista comigo em inglês e eu não conseguia responder nada. Carlos interveio e disse que lá eu ia fazer curso de inglês e que eu só ia tocar fagote, que eu não iria fazer nenhuma matéria teórica...

 

Gustavo - e assim mesmo conseguiu o visto?
Benjamin - ...e o cara acabou me dando o visto. Assim vim à State University of New York at Purchase, que fica cerca de 40 quilômetros distante de Manhatan. O diretor do Admitions ficou danado comigo porque eu cheguei lá sem falar uma palavra de inglês! No dia que eu cheguei ele estava na escola de música, me viu e veio me cumprimentar, e eu não entendi nada que ele falou. Ele virou para o meu irmão e falou “mas ele não fala nada de inglês!”; e meu irmão respondeu: “ele está muito cansado; deve ser por causa do fuso horário!”  Lá eu estudei com um professor chamado Donald MacCourt, primeiro fagotista da orquestra do ballet de New York e do quinteto de sopros de New York. Ele era um professor fantástico, toda a semana ele me deu aulas mesmo sem falar inglês; ele me ensinava demonstrando no fagote. Ele falava, falava, falava e eu não entendia nada, mas ele demonstrava e eu tentava imitar. Foi uma grande lição de paciência, ...da paciência que ele teve comigo. Foi tão incrível. Ele me ajudou muito. Lá, em tres anos e meio fiz o curso de Bacharelado em Belas Artes, que era o único curso existente. Foi engraçado porque eu graduei em menos de 4 anos; cheguei lá sem falar inglês e eu graduei com 140 ou 150 créditos, mesmo que o curso exigisse somente 120!  Mas eu me formei com o título de Honors e diretor, o mesmo que ficara danado comigo na minha chegada, então falou “eu não consigo entender esses Coelhos! Chegam aqui sem falar inglês! terminam o curso em 3 anos e meio quando a maioria das pessoas leva de 4 anos e meio a 5 anos... e ainda com honors!”

 

Gustavo - E como aprendeu o inglês?
Benjamin - Eu aprendi inglês na marra! Quando eu cheguei lá o diretor da área de humanas queria que eu fizesse um curso de inglês em uma escola particular, que ia custar mais do que o dobro do que eu estava pagando para a escola. O curso era o dia inteiro, todos os dias! Eu não tinha como pagar e não tinha tempo para fazer. Fui aprendendo de sopetão!

 

Gustavo - O que veio depois de seu curso em New York?
Benjamin - Depois eu fui estudar na Manhatan School of Music, com o professor Arthur Weisberg. Fiquei lá dois anos. Naquela época eu comecei a tocar em um quinteto de sopros profissional e no último ano em que lá estive nós tocamos uns 80 a 100 concertos, fizemos turnês para vários lugares dos Estados Unidos e ganhamos quatro concursos. Eu terminei meu mestrado e continuei a tocar no quinteto por uns 6 a 8 meses. Voltei para o Brasil porque eu tinha uma bolsa da CAPES, voltei, mas sem emprego nenhum. Na época o Carlos e o Tadeu eram professores na Unicamp e o Carlos tocava na orquestra de Campinas. Quando cheguei o maestro Benito Juarez me convidou para tocar na Orquestra de Campinas. Eu devia ter uns 22/23 anos. Eu fiquei lá 7 meses e eu fui mandado embora da orquestra, pois não aceitava muito as condições de trabalho que o maestro Benito e o seu irmão Gervásio impunham à orquestra, e eu não ficava muito quieto! Depois eu vim entender porque eu tinha sido contratado para a orquestra: o maestro Benito não estava se dando muito bem com o fagotista Paulo Justi, então ele queria mais alguém lá para se contrapor ao Paulo. Só que eu já conhecia o Paulo há muito tempo. Foi ele que me ensinou a fazer palhetas, e eu adorava (e ainda adoro!) o Paulo Justi, e nós nos demos tão bem na orquestra, a tal ponto que o maestro viu que o tiro dele saiu pela culatra! Certa feita o maestro me convidou para almoçar, oportunidade em que me aconselhou a ter cuidado com os amigos que eu estou fazendo na orquestra; ...e eu comendo meu viradinho à mineira, pensando: nem meu pai escolheu meus amigos! quem é essa pessoa pra me dizer quem deve ou não ser meu amigo! Daí virou uma bagunça, eu não aceitava muitas coisas que eles obrigavam a gente a fazer e eu brigava; então fui mandado embora.

 

Gustavo - de novo sem emprego, foi para onde?
Benjamin - fui para o Rio de Janeiro trabalhar no Teatro Municipal. Depois de um ano eu fui convidado para ser professor visitante na UFMG, em Belo Horizonte. Eu fiquei um ano na UFMG e no Teatro Municipal do Rio, mas logo cansei das constantes viagens. O Teatro Municipal não estava muito legal, com uma programação não muito boa, e quando teve o concurso para professor permanente na UFMG eu decidi mudar para Belo Horizonte e pedi demissão da orquestra. Eu fiquei em Belo Horizonte quase sete anos. Nesse meio tempo eu casei com a Karen e ela veio para Belo Horizonte, onde moramos por dois anos; mais ela não se adaptou muito bem à vida brasileira e decidimos voltar para os EUA. De volta nos EUA, nasceu minha primeira filha Liliana e fui estudar na Indiana University com Kim Walker. Fiquei lá três anos e antes de terminar o meu doutorado eu ganhei o concurso para professor na Universidade de Iowa, em julho de 1998.

 

Gustavo - Sua formação em fagote então foi toda nos EUA, você teve algum contato com algum professor no Brasil?
Benjamin - Como já falei, antes de ir aos EUA eu estudei no conservatório de Tatuí com o Professor Clóvis Franco. No Rio eu estudei com o Professor Noel Devos no curso de extensão na UniRIO, enquanto estava trabalhando no Municipal do Rio. Ainda como aluno do conservatório de Tatuí eu participei de muitos festivais de Campos do Jordão e tive a orientação de vários outros professores, como o Alain Lacour, que era fagotista da antiga OSESP.

 

Gustavo - Fale um pouco sobre a diferença da escola do Brasil e dos EUA, se é que de fato existe alguma diferença!
Benjamin - A impressão que eu tenho é que no Brasil existem mais fagotistas que estudaram na Europa do que fagotistas que estudaram nos EUA: o Paulo Justi estudou com o Thunemann, o Fábio também; o Afonso, acho eu, estudou com o Turkovic. A Alemanha sempre foi mais referência e na época os cursos de Brasília e de Curitiba traziam professores alemães. Vinha o Helman Jung e como eu era sempre muito jovem, nunca me deixavam a ir nesses festivais. Eu ia só ao de Campos do Jordão, pois como toda a minha família ia para Campos ficava mais fácil; assim nunca tive contato com esses professores alemães. Para o festival de Campos, o Eleazar de Carvalho trazia o oboísta americano Henry Schumman e ele foi o contato. Na época meu pai era o diretor do conservatório de Tatuí, ele tinha a ambição de transformar o conservatório em faculdade. Ele sabia que não tinha recursos humanos para começar uma faculdade, então ele incentivava muito os alunos do conservatório para estudar fora. Um desses lugares foi os EUA, por ter um sistema universitário parecido com o do Brasil, em termos de titulação e essas coisas todas. Na época eu não sabia dizer se tinha escola de fagote no Brasil, eu sabia das diferenças entre o fagote sistema alemão e o sistema francês. Acho que a escola de fagote francês era mais desenvolvida do que a alemã, mais por influência do Prof. Devos. Eu estudava com o Clóvis Franco, que tocava fagote alemão. O Prof. Clóvis foi um professor muito bom pra mim, ele teve muita paciência, uma ótima pessoa a quem eu respeito muito, tanto que quando eu voltei a tocar em Tatuí, ele estava presente. Eu não sabia disso, mas depois do concerto ele veio falar comigo e eu fiquei emocionado ao rever o Clóvis depois de 20 anos. Ele foi uma pessoa muito importante pra minha vida como fagotista. Eu não tinha muito contado com os outros, na época os principais fagotistas de São Paulo eram o Alain na OSESP e o Sergio Gonçalves (Mamão) no Teatro Municipal, mas com este eu nunca tive contato.

 

Gustavo - Agora você tem contato com essa nova geração.
Benjamin - Desde então muita coisa mudou. Melhorou muito, agora está muito mais desenvolvido! Até o ano passado eu não sabia como estavam as coisas, porque desde 1995 eu não voltava para o Brasil para trabalhar. Meu contato era com meus amigos Formiga,  Mauro e Elione.  Não tinha dado aulas para brasileiros até o ano passado em Campos do Jordão. Fica difícil saber e falar sobre isso, apesar de hoje no Brasil as condições serem muito melhores. Hoje ninguém mais toca com fagotes Lignatone. Existem os fagotes do Hary, do Moosman, da Fox. Até os fagotes chineses são melhores do que os fagotes Lignatone da época que eu estudei. Então o contato que eu tenho com alunos brasileiros é limitado, mas eu vi que houve uma grande mudança, para melhor. Creio que a grande diferença entre o EUA e o Brasil é o poder econômico, financeiro e social das pessoas que estudam música. No Brasil, principalmente os alunos de sopro, eu acho, vem de uma classe social mais humilde. Aqui também tem gente humilde em termos financeiros, mas sempre tiveram acesso à música em escolas publicas.

 

Gustavo - Como é sua relação com seus alunos? Você se sente um professor diferente dos americanos por ser brasileiro?
Benjamin - Em primeiro lugar, procuro ser humano e depois profissional. Para mim o contato humano é a coisa mais importante em todas as minhas relações, com alunos e com colegas. Eu acho que tenho uma vantagem por ter vivido em duas realidades totalmente diferentes, a brasileira e a americana. Eu gosto de dar aulas, e penso que tenho vocação para ser professor. Eu gosto muito de tocar em orquestras, mas prefiro ser professor. Hoje eu toco na Cedar Rapids Symphony, que é uma orquestra pequena, part time, mas desde a época do Brasil eu sempre gostei mais de dar aulas. Dos alunos que eu tive na UFMG, o Mauro, o Formiga, o Cláudio, o Elmo, o Jeff Chandler e outros, tiveram sucesso. Nós tínhamos um quarteto de fagotes: o Formiga, o Mauro, o Cláudio e eu. Eu me sentia muito realizado como professor e lá eu também tocava no grupo de música contemporânea. Mas aqui nos EUA eu tive mais oportunidades para ser professor. Eu também gosto muito de tocar em recitais. Procuro tocar o máximo que posso, gravar discos. Acabei de gravar em maio meu quinto CD.

 

Gustavo - Fale um pouco sobre a sua atividade profiossional na Universidade.
Benjamin - As minhas atividades aqui na universidade de Iowa são distribuídas em três diferentes áreas. Dar aulas conta 40% (estou hoje com 13 alunos de fagote, além de dar aulas de música de câmera, e aulas na pós-graduação de literatura e pedagogia do fagote); mais 40% de trabalho artístico (gravar, tocar concertos, etc.) e os 20% restantes são serviços para a universidade. Eu procuro tocar o máximo que posso, apesar de ter família com crianças pequenas. A minha filha mais nova tem 5 anos e a mais velha tem 12, então eu tenho que dividir muito bem o meu tempo entre família e trabalho. Minha função principal como professor é de recrutar os alunos. É minha obrigação de ter os alunos e fazer a minha classe. Todo o aumento de salário aqui ou de qualquer outro professor é baseado no mérito. Todos os anos a universidade analisa o meu currículo. Eles olham quanto de atividade eu fiz e sou classificado em relação a todos os demais professores da Escola de Música por ordem numérica 1,2,3,4,5,6…  Geralmente os  professores classificados nos primeiros lugares recebem um aumento mais significativo. Graças a Deus o meu salário quase que dobrou em oito anos, somente por meu esforço e trabalho.

 

Gustavo - e os 20%? Que tipo de trabalhos são esses para a universidade?
Benjamin - São os serviços internos e os externos para a profissão. Os internos, por exemplo, são: fazer parte de bancas, de comitês da universidade em geral, da escola de música, tocar concertos em asilos. Tudo isso conta como serviços prestados para a universidade. Desta forma eu estou representando a universidade perante a sociedade de Iowa City. Eu também sou o Associate Director for Undergraduate Studies, que equivale a um vice-diretor da área de graduação, onde eu sou responsável pelos alunos de graduação. Os serviços externos, por exemplo, são fazer avaliações de professores de outras universidades. Todos passam por uma revisão para continuar no emprego. Como eu já passei por essa revisão posso fazer revisões de fagotistas de outras universidades. Isso inclui analisar toda a documentação e dizer para a universidade se essa pessoa é ativa e se merece ter a estabilidade no emprego. Com isto estou prestando um serviço às outras universidades como especialista. A estabilidade você tem depois do tenure, que acontece no seu sexto ano de trabalho. Esse processo dura um ano e se aprovado você inicia seu sétimo ano como efetivado. Se não for efetivado, você tem o sétimo ano para arrumar outro emprego; depois do sétimo ano você é mandado embora. Antes disso também tem o review do terceiro ano. Minha escola já teve vários professores que não passaram nesseo review. É mais  comum  professores serem mandados embora depois do terceiro ano do que depois do sexto. Se você passou pelo terceiro ano, muito provavelmente você vai ter sucesso no tenure. Essas avaliações são muito sérias.

 

Gustavo - Você já gravou cinco CD’s. Todos eles foram pela Universidade de Iowa?
Benjamin - Sim, a não ser o quarto, que acabou de ser lançado, apesar de ter sido gravado quinze anos atrás. Este CD eu gravei no Brasil e foi um CD comemorativo dos oitenta anos de criação musical em Belo Horizonte. Essa publicação conta a história da Escola de Música de Belo Horizonte e dentro do livro tem dois CDs, dos quais eu participo em várias peças. Algumas dessas peças fizeram parte de um projeto, no qual todos os compositores da escola escreveram peças para mim: Eduardo Bértola, Carlos Kater, Oiliam Lanna e o Eduardo Campolina. Nesse CD estão gravadas essas peças, uma delas é o dueto Retornos do Tempo que eu gravei junto com o Mauro Mascarenhas antes de eu voltar para os EUA. Os outros CDs foram gravados aqui. Para ajudar no processo de classificação do tenure você precisa ter pelo menos um projeto de CD em andamento. Todos os CDs são custeados pelos próprios professores. É claro que existe a possibilidade de receber grants, através de projetos de fomento à pesquisa da Universidade de maneira competitiva. Todos os CDs que eu gravei aqui foram patrocinados por esses grants. O meu primeiro só deu para custear a metade, a outra metade eu paguei com os meus próprios recursos. Os outros CDs eu consegui subsídios pelos grants que foram aprovados pela universidade, pois eram de reconhecida importância para ela.

 

Gustavo - O repertório que você tem gravado nos seus CD’s é mais voltado para a música contemporânea...
Benjamin - Sim, essa é uma filosofia minha. Eu sempre achei que não faria sentido gravar mais uma vez o concerto de Mozart ou a Sonata de Saint-Saëns, sendo que já existem centenas de gravações dessas peças por fagotistas melhores do que eu! Então eu não me sentiria estar contribuindo para a o mundo dos fagotistas. Acho que a minha função é de trazer repertório novo e sentir que eu estou contribuindo para a expansão do repertório de fagote e não de satisfazer o meu ego e de achar que eu vou gravar a melhor versão da sonata de Saint-Saëns! Nos meus CDs eu gravei mais música de câmera e peças que foram escritas para mim. No meu primeiro CD (BASSOON IMAGES, Albany Records) eu gravei a Bachianas nº 6, talvez tenha sido vaidade, com meu irmão. Foi uma experiência fantástica gravar com ele, que modéstia à parte, é um dos melhores flautistas que existem por aí. Nesse CD tem obras inéditas e obras que eu encomendei para gravar. Meu segundo CD (BRAVURA BASSOON, Crystal Records) foi um CD com cordas. Gravei peças que nunca tinham sido gravadas, apesar do quinteto do Brandl ter sido gravado por um fagotista na Alemanha. A minha gravação já estava em andamento quando eu fiquei sabendo disso. O quinteto do Jacob já havia sido gravado há bastante tempo numa versão que eu não gosto muito; então eu achei que podia contribuir. Gravei também o Corrupio do Villa-Lobos, que é uma peça fantástica, mas o fagote não é o instrumento principal, foi mais para documentar. Gravei uma peça que eu encomendei do compositor Argentino Gerardo Dirié, meu colega na Universidade de Indiana. Ele escreveu essa peça chamada Anjo Breve, que tem a ver com as obras do Carlos Drummond de Andrade e do Jorge Amado. Meu terceiro CD (PAS DE TROIS, Crystal Records) foi a gravação de trios com piano e saxofone. Aqui nós temos um professor de saxofone fantástico, que eu já havia conhecido em Indiana. Já havíamos tocado juntos, então resolvemos gravar um CD com obras para fagote, sax e piano. Esse foi o primeiro CD integral só com essa formação. O quarto CD foi aquele gravado no Brasil e lançado pela UFMG. Meu quinto CD, que ainda não tem título, acabei de gravar agora em maio, tem em seu repertório obras que eu sempre quis tocar, escritas por grandes compositores da música erudita. São obras de Bach (sonata em Mib para flauta), Beethoven (sonata nº 5 para cello), e Brahms (a sonata em Fá menor para clarineta) Como o CD iria ficar um pouco curto eu adicionei as romances de Schumann (original para oboé), que são minhas obras prediletas para tocar! Espero poder apresentar essas obras no fagote de uma maneira convincente. Espero que o resultado seja de alto nível. Quando tiver mais informações sobre o lançamento deste CD eu mando um aviso ao portal do fagote.

 

Gustavo - Como a gente faz para achar esses CD’s?
Benjamin - Bom isso é um outro problema, porque no Brasil sempre dizem: não tem jeito de ser bom e barato? Pode escrever aí: geralmente o que e bom não é barato! A não ser que você tenha muita sorte! Mas os meus CD’s infelizmente não estão disponíveis no Brasil, apesar de ser possível encontrá-los na internet. Faz uma pesquisa no Google com o meu nome que você vai encontrar os CDs. Meu primeiro CD (Bassoon Images) esta disponível no i-tunes.

 

Gustavo - Você não tem vontade de voltar para o Brasil?
Benjamin - Tenho vontade, mas não permanentemente. Iowa (espero que vocês possam me visitar aqui em Iowa City), é de um nível de vida fantástico, é muito calma, apesar de fazer um frio muito intenso no inverno. Mas é uma vida muito tranqüila, eu tenho tudo o que eu quero aqui, as escolas das minhas crianças são de graça e são escolas excelentes. Eu tenho uma casa muito legal (talvez o Gustavo fale o contrário, ele ficou lá alguns dias…) Mas para morar no Brasil seria muito difícil, porque eu teria que morar em uma cidade grande e a tensão, a poluição, a violência dessas cidades é uma coisa que não me interessa. O que me interessa muito é voltar ao Brasil periodicamente. Eu estive em Campos do Jordão no ano passado, vou estar lá esse ano novamente, e vou voltar em setembro para o encontro de oboés e fagotes que o Lucius e o Paulo Justi organizam (IV Encontro de oboés e fagotes, de 7 a 9 de setembro, Piracicaba, SP); estarei lá com a minha camiseta amarelinha! Eu amo o Brasil demais, eu tenho muitas saudades, acompanho e leio diariamente os jornais brasileiros na internet. Aliás, eu até surpreendo alguns dos meus amigos do Brasil, porque eu sei exatamente o que está acontecendo tanto na política como no futebol. Espero voltar mais ao Brasil para dar aulas em festivais e de ter mais contato com músicos brasileiros. Eu sinto falta do calor humano do brasileiro, o senso de humor é completamente diferente do americano; apesar das pessoas acharem que americano não tem senso de humor. Tem sim, só que é diferente. Acho que o ser humano é igual aqui, no Brasil, na China ou na Rússia. As pessoas sempre buscam a felicidade e um certo nível de vida; acontece que certas influências são diferentes, eu não acho melhor ou pior, só acho diferente. As pessoas fazem opções, eu tento não generalizar. Eu não acho que todo o brasileiro é corrupto só porque os políticos são. Corrupção não é algo inerente a todo brasileiro. Assim como achar que todo americano pensa como o Bush. Não gosto de generalizar, acontece que, economicamente falando, os EUA são uma das maiores potências mundiais. Com isso eles têm uma responsabilidade dentro desse mundo. Nós reclamamos quando o americano põe a colher onde não é chamado, mas também reclamamos quando não a põe! Então como falava o grande Vicente Mateus, folclórico ex-presidente do meu amado clube Corinthians: “é uma faca de dois legumes.”

 

Gustavo - O que você acha que estaria fazendo se tivesse ficado no Brasil?
Benjamin - Eu estaria ainda em Belo Horizonte, trabalhando na UFMG. Espero que produzindo tanto quanto estou produzindo aqui, sem a atitude de muitos professores no Brasil: se tem aluno, tudo bem; se não tem, melhor ainda! Eu penso que eu estaria no Brasil recrutando alunos para a UFMG. Eu acho, pelo pouco que sei dessa área, muito triste ver muitos músicos brasileiros que estudaram fora, que conseguiram doutorado, mas que não dão aula; fazem pesquisa, porque existem fomentos!. O governo Brasileiro incentiva mais a pesquisa do que o ensino, então você ganha mais sendo pesquisador nível 1 no CNPq do que aquele professor que está ali dando aula todos os dias para muitos alunos. Então as pessoas que tem titulação se enveredam mais para esse lado da pesquisa, das quais até hoje estou pra ver alguns resultados, e não dão aula. A faculdade deveria ser a continuação dos conservatórios que temos no Brasil, acaba não acontecendo porque os professores dão poucas aulas e tem poucos alunos.

 

Gustavo - isso se reflete na vida das orquestras também?
Benjamin - As nossas orquestras ainda estão sofrendo porque não tem mão de obra de nível suficiente para ter qualidade. Veja o grande sucesso da OSESP. Observe com atenção na seção de cordas, quantos são brasileiros e quantos são estrangeiros. Na seção de sopros é melhor, mas também acontece a mesma coisa: o fagotista é venezuelano, a flautista é suíça... Quer dizer, onde estão os músicos brasileiros? A pergunta deve ser feita: de quem é a culpa de não ter mão de obra especializada no Brasil para suprir as orquestras? Acho que os olhar para as universidades. No Brasil o nível do ensino médio de escolas de música sempre foi muito bom. Nas universidades eu não vejo esse desenvolvimento na prática instrumental, eu vejo mais interesse pela parte intelectual e pela questão financeira do que pelo ensino. Seu salário é muito maior sendo pesquisador do que professor e isso é muito triste. Então as pessoas que tiveram oportunidade de fazer doutorado com o dinheiro do governo brasileiro, do contribuinte e dos impostos, voltam para o Brasil e se isolam e não ajudam o desenvolvimento musical prático. Se os conservatórios tivessem nível para suprir as vagas nas orquestras seria ótimo, porque as universidades poderiam servir à pesquisa. Pesquisa é extremamente importante, mas não pode ser única. Se eu hoje não tiver 12 ou 13 alunos de fagote eles vão me dar outra coisa pra fazer, outra aula pra dar. Eu quando cheguei aqui dava aulas de teoria porque tinha só 2 alunos de fagote. À medida que meu estúdio foi crescendo, fui parando com as aulas teóricas.

 

Gustavo - Você tem conhecimento se o portal do fagote é conhecido nos EUA?
Benjamin - Acho que está ficando cada dia mais conhecido. O Hary é muito conhecido no meio do IDRS. O portal poderia ser mais conhecido, acho que a questão de ser só em português dificulta uma maior abrangência. Mas eu acho que está em crescimento e o Hary tem que ser parabenizado por essa grande função que ele exerce no meio musical brasileiro. A contribuição que ele dá é única e eu espero que continue a crescer e que tenha cada vez mais pessoas envolvidas.
Eu estou muito contente de ter aqui no meu estúdio o meu primeiro aluno brasileiro de fagote, o Gustavo, que esta fazendo um sucesso aqui na escola, estudando muito, muito esquecido às vezes, perde as coisas....mas está indo muito bem!

 

Gustavo - Você está falando de mim? eu ando esquecendo coisas?
Benjamin - exatamente, estou falando do Gustavo Koberstein...

 

Gustavo - Benjamin, muito agradecido pela boa vontade e abrangência desta entrevista! e grato por me aceitar em seu estúdio...

 

para "conversar" um pouco mais com Benjamin Coelho, escreva para:

benjamin-coelho@uiowa.edu

 

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