Conversa de fagotista

- cláudia ribeiro sales -

 

 

Claudia Ribeiro Sales é primeiro fagote da Orquestra Sinfônica da Bahia e da Orquestra Sinfônica da Universidade Federal da Bahia. Tocou no Quinteto de Sopros da Orquestra Sinfônica da Bahia, no Quarteto de Sopros da Bahia, no Ginba (Grupo de Intérpretes da Bahia), no Bahia Ensemble (Grupo de Música Contemporânea da UFBA). Atualmente desenvolve um trabalho com o Trio de Palhetas “Opus Lumen”. É fagotista convidada nos concertos da Orquestra Barroco na Bahia. É orientadora dos alunos de fagote da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e professora dos alunos do projeto Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia (Neojibá).
Tem participações em diversos CDs, salientando-se aí o CD "Remeiros do Rio São Francisco" (concerto p/ fagote, cordas e percussão de E. Widmer), CD "Outros Ritmos"(trio de palhetas de Wellington Gomes), e do CD “Romances Tradicionais na Galícia e na Bahia”  com o Quarteto Cantares (voz, violão, clarineta e fagote).

entrevista/depoimento concedida em outubro/novembro de 2009

_____________________________________________________________________________

 

infância no Rio

"Sou a caçula de uma família de 7 irmãos e todos estudamos música. Nossos pais eram apaixonados pelas artes em geral e foi a partir dessa paixão que fomos incentivados para o estudo da música através de uma professora particular de piano que freqüentava nossa residência pelo menos uma vez por semana.  

 
iniciando em Brasília

No ano de 1967 o meu pai, que era jornalista, foi transferido para Brasília e anos depois começamos a tomar contato com a Escola de Música de Brasília. Em 1972 iniciei meus estudos de flauta transversal com o prof. Nivaldo, deixando o piano para trás. Em nossa casa o quarto onde ficava o piano era a "sala de música". Apesar de sermos sete irmãos que tocavam instrumentos diferentes (violoncelo, piano viola, violino, clarineta, flauta e fagote), espaço para estudar nunca foi problema e era sempre gostoso ouvir o outro. A Escola de Música de Brasília, que na época era bem pequena e ocupava um prédio bem modesto, acabou sendo um segundo lar para nós.

Depois de um ano de estudos o diretor da Escola, professor Levino Alcântara me perguntou se eu não gostaria de estudar fagote. Ao ser apresentada ao instrumento não me senti empolgada visto o estado em que o fagote Lignatone que me foi mostrado se encontrava. Devido à minha ainda recente paixão pela flauta respondi ao professor que "não" e segui com meus estudos musicais.

 
encontro com o fagote
Depois desse primeiro encontro desanimador, fui assistir, durante as férias de verão, o concerto de um quinteto de sopros alemão (que não me recordo o nome) e foi aí que percebi a beleza do fagote, seu som maravilhoso, macio, grave e lindo. Foi paixão à primeira vista e esperei com muita ansiedade o final das férias para então iniciar meus estudos no fagote.

 

OBS do portal do fagote: não teria sido o Quinteto de Sopros de Munique, em julho de 1972? o fagotista era Achim von Lorne e Hary Schweizer também assistiu este conjunto, se empolgou com o fagotista, teve aulas com ele durante o festival de inverno deste mesmo ano e no ano seguinte estava estudando com ele na Alemanha...

paz na adolescência

Iniciei no fagote com o professor Cecílio da Silva, que por problemas de saúde interrompeu as aulas depois de 1 ano e meio. Passei a praticar o instrumento como achava que devia e tocando o que mais gostava de tocar, pois não pensava em fazer música profissionalmente e estar com o fagote era sempre muito prazeroso.

O Professor Levino, que me passava orientações gerais, me falou do professor Devos no Rio de Janeiro. A viagem de 22 horas entre Brasília e Rio de Janeiro nada significava diante de minha alegria e empolgação.

Em 1975 conheci o professor Helman Jung com quem fiz quatro cursos de férias e também o professor Jean-Pierre Berlioz, com quem estudei em Brasília.

 
rumo a Salvador via Campinas e Alemanha

Em 1977 a convite do maestro Benito Juarez fiz um teste para a Orquestra Sinfônica de Campinas passando a atuar profissionalmente como 2º fagote daquela orquestra. Depois de um ano e meio em Campinas consegui a bolsa do DAAD para estudar fagote com Helman Jung, em Detmold, Alemanha, onde permaneci por 3 anos e 6 meses, voltando em seguida à Orquestra de Campinas.

Após um ano de meu retorno da Alemanha, fui convidada pelo maestro Erick Vasconcelos a participar da fundação da Orquestra Sinfônica da Bahia (OSBA), onde prestei concurso e atuo como primeiro fagote desde 1982. Em seguida passei a atuar também na Orquestra Sinfônica da Universidade Federal da Bahia (OSUFBA), uma orquestra de cunho didático e que, entre outras atribuições atende aos alunos de instrumento e composição musical da Escola de Música da UFBA.

 
o prazer de ensinar
As coisas que aprendi, gosto de ensinar. Acho importante que se tenha prazer em tocar sempre, mesmo uma simples escala.

Gosto de iniciar com o método Weissenborn, pois ele já vem com duos desde o início, o que incentiva o aluno. É interessante a maneira como o método inclui uma nova nota, um novo ritmo, uma nova tonalidade e o trabalho com dinâmica e articulação. Tenho um programa de métodos e músicas que sigo normalmente com um aluno. Não é um programa fechado e rígido, muito pelo contrário, ele muda sempre que necessário. Soma-se ao estudo dos métodos e a pratica de repertório, o aprendizado sobre a palheta em todos os seus micros e macros detalhes.

 

a experiência de tocar fagote

É emocionante estar na orquestra e se sentir no centro daquela massa sonora percebendo as nuances da orquestração e do colorido orquestral, ouvindo os naipes funcionando em harmonia, beleza e diferença, sentir a música penetrando na alma, envolvendo seu corpo, significando sua ação. Gosto de me envolver com a música e tento passar isso quando estou tocando na orquestra, em grupos de câmara ou interpretando obras escritas exclusivamente para o fagote.

Aqui em Salvador tive a oportunidade de estrear obras de compositores que me presentearam com sua criatividade e talento escrevendo peças e concertos para fagote. Lindembergue Cardoso com as “Nove Variações para Fagote e Cordas”, Ernst Widmer com o Concerto para Fagote, Cordas e Percussão", Fred Dantas com o “Pequeno Concerto para Fagote”, Ângelo Castro com o quarteto para fagotes “Afago-te”, Wellington Gomes com o trio “Reminiscências” para oboé, clarineta e fagote; as peças solo “Teias de Livre Expressar” de Fernando Cerqueira e “Aboio” de Paulo Costa Lima. Uma das grandes experiências na execução deste repertório é a oportunidade de trabalhar diretamente com o compositor, ouvir suas impressões, conhecer os detalhes íntimos que o levou a compor e sentir a resposta imediata da música trabalhada. 
percalço

Há três anos atrás enviei meu fagote para a fábrica da Püchner, na Alemanha, para uma revisão geral. O detalhe, me esqueci de fazer o registro de envio na Receita e ao receber o fagote de volta, a Alfândega barrou sua liberação. Fiquei 2 meses com o instrumento preso e a exigência de pagar uma taxa muito alta. Depois de vários telefonemas e envio de documentos consegui a liberação sem a taxa exigida. O susto foi grande e a lição aprendida. Nesses dois meses de angústia e espera toquei com um fagote emprestado pelo Hary.

Hoje, aqui no Brasil, já temos profissionais de alto nível em manutenção e conserto e não mandaria meu instrumento novamente para tão longe."

 

Cláudia Sales...
... fala da evolução do fagote
... toca o início do concerto de Mozart 
 ... toca duo para oboé e fagote de Gordon Jacob
 

página inicial