Conversa de fagotista |
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- paulo justi - |
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Paulo Justi, "mesmo achando o fagote um instrumento limitado, o que por isso mesmo o transforma num desafio", é professor de fagote na Unicamp e na Escola de Música de Piracicaba. Foi por 20 anos fagotista na Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas e depois dessa experiência acha que é muito "melhor estar só do que mal regido". |
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portal - é um grande desafio organizar um Encontro de oboistas e fagotistas num país de dimensões como o Brasil. Como conseguiu? |
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Paulo Justi - A organização do III Encontro não foi difícil, creio eu, por duas razões básicas: a infra-estrutura que a Unicamp tem e a sorte de contar com uma equipe competente e de muita boa vontade. Da infra-estrutura cito: o hotel dentro do Campus; as salas de aula, o instrumental (piano, percussão) e os recursos de som e de informática (computadores, data-show, etc.) que ficaram à nossa disposição no Dep. de Música. Da equipe devo começar com a confecção da página, as fotos digitais, ao secretariado via web, à organização dos eventos artísticos, ao projeto para obtenção de fundos, que envolveram em resumo cerca de 10 pessoas, contando comigo e com o Lúcius *. |
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* Lucius Mota foi o coordenador artístico do III Encontro. |
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portal - Como sentiu a reação dos participantes do Encontro, seja por parte dos ainda estudantes, como dos já profissionais? | |
Paulo Justi - A reação dos
participantes foi a mais feliz possível. O III Encontro teve uma
abrangência de assuntos incrível. Além dos
Master-Classes tradicionais de execução musical e palhetas,
tivemos palestras com assuntos mais complementares como: fisiologia
do corpo na execução musical; relatos de pesquisas de palhetas;
construção de instrumentos; manutenção; concertos de altíssimo
nível; expositores de equipamentos diversos para oboé e fagote;
depoimentos, etc. Quer dizer, creio que deu para contentar a todos,
já que algum assunto sempre estaria sendo interessante, dada
a variedade oferecida. Entre os
professores, o que me impressionou muito mesmo, foi
a disponibilidade generosa de todos.
Começando com a viagem que cada um fez por conta própria e
continuando com a atenção dispensada aos alunos
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portal - Como avalia o nível das atividades (master-class, recitais, palestras, etc,) quando vistos em relação a encontros de outras áreas ou a encontros da mesma área em outros países? | |
Paulo Justi - Eu gostaria de
comparar o III Encontro tanto com outras atividades musicais que
ocorrem no país, quanto com encontros de outras áreas. Por razões
que não são de minha responsabilidade, o Encontro está se tornando
um modelo exemplar, quando comparado a Festivais de Música, por
exemplo. Nos Festivais você seleciona alunos, escolhe os “melhores”
sendo, portanto, excludente. O Encontro é
includente, todos são bem-vindos, não há seleção. A
quantidade de professores e a intensidade do contato permitem que o
aluno resolva em pouquíssimo tempo problemas particulares de toda
ordem, não só performáticos. Não sou contra Festivais, mas não se
pode aprovar a linha pedagógica seguida atualmente. O Encontro não
deve nada aos de outras áreas. Nós músicos é que por preguiça,
desinteresse e talvez arrogância não traduzimos para a língua falada
na Universidade o que fazemos.
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portal - como assim? | |
Paulo Justi - Veja, o Encontro
reuniu os melhores professores de oboé e fagote do país, que são
também os melhores intérpretes. Mas reuniu também os melhores
pesquisadores nestas áreas. No entanto, em nenhum momento,
as questões teóricas, quer de fisiologia
da respiração, quer da física dos instrumentos e das palhetas, quer
do depoimento do Prof. Devos sobre
Villa-Lobos, quer da saúde do instrumentista, ficaram distantes da
vida do aluno. Tudo o que foi tratado despertou um enorme interesse,
porque faz parte do dia a dia do músico. Este,
creio eu, é o maior mérito do Encontro.
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portal - e o que pretende dizer com "língua falada" na universidade? | |
Paulo Justi - Mas por que falei
de traduzir para a língua falada pela Universidade? Porque cada tema
tratado no Encontro poderia se tornar um artigo científico de
primeira linha e nós músicos não gostamos de trabalhar nisto. O
Encontro tem material para produzir uma bela revista e, que isto não
aconteça, é uma pena. Para os próximos Encontros, talvez possamos
pensar nisto, não só para termos um arquivo do que foi tratado, mas
também para termos credibilidade tanto junto às agências de fomento
quanto às Universidades. O Encontro foi tratado pela Unicamp como um
evento de extensão e não de pesquisa, mas a culpa é minha que nem
sabia do potencial.
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portal - Encerrado o III Encontro Brasileiro de oboés e fagotes, qual o balanço que faz do mesmo? | |
Paulo Justi - O balanço do
Encontro é totalmente positivo. Algumas coisas podem melhorar, por
exemplo, se conseguirmos hospedagem também para os alunos, ou pelo
menos para os que mais precisam.
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portal - agora, falando de Paulo Justi, como se deu seu encontro com o fagote? | |
Paulo Justi - A música me
encontrou num colégio interno. Havia um velho piano que se mostrou
encantado para os meus onze anos. Enquanto os colegas ansiavam pelo
intervalo para o futebol, eu ansiava pelo piano. Em pouco tempo eu
era mais um organista, ou melhor
harmonista (alguém sabe o que é um Harmonium?).
Saído do seminário, fui estudar num colégio
Salesiano, onde além de ser o organista das funções
religiosas e casamentos, tornei-me o ensaiador
dos sopros da fanfarra, tocando cornetão
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portal - onde e com quem estudou? | |
Paulo Justi - Meu irmão já
tocava oboé na época, então, foi tudo muito estimulante. O Maestro
Mahle foi meu primeiro professor de
fagote e os Festivais de Curitiba, Brasília, Salvador e Campos do
Jordão a necessária complementação. Meu irmão foi para a Alemanha e
um ano após eu o segui. Tive o privilégio de estudar em
Hannover com o Prof. Klaus
Thunemann durante dois anos e ao
retornar ao Brasil entrei para a Orquestra Sinfônica Municipal de
Campinas e logo após, na Unicamp. Na Orquestra fiquei vinte anos.
Deixei-a porque mesmo tardiamente resolvi seguir a carreira
universitária. Fiz o mestrado na USP com o prof. Oliver
Toni e estou terminando o doutorado na
Filosofia da Unicamp.
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portal - V. toca um fagote Heckel. Existe quase sempre uma pequena história do fagotista em relação ao seu Heckel. Como foi a sua? | |
Paulo Justi - Graças
a família Mahle,
tanto de Piracicaba quanto da Alemanha, pude comprar um belo fagote
Püchner, escolhido pelo professor
Helman Jung, de
Detmold. Um dia, o inspetor da orquestra de Campinas, o João
de Pieri, me disse que alguém ligara
para vender um fagote velho. Eu lhe dissera que fagote não se compra
velho, com exceção talvez, do Heckel,
mas que a chance de haver um Heckel em
Campinas era tão remota que nem valia a pena conferir. O próprio
João ligou de volta ao proprietário do fagote e este confirmou, era
um Heckel. Eu disse ao João, "você
entendeu errado, mas vamos ver". O fagote era um
Heckel de número 7632, presumo que
anterior à II Guerra, modelo estudante. Comprei o fagote e mandei-o
para a fábrica para uma revisão completa. A revisão custou 4.000
dólares. Após a revisão, tive que escolher entre o
Heckel e o Püchner.
Coloquei meus irmãos numa sala, todos de costas para mim, enquanto
eu tocava ora um ora o outro, para me ajudarem a escolher, já que
ambos me agradavam muito. O Heckel foi o
mais votado, mas deixo claro, foi por uma questão de timbre, algo um
pouco mais brilhante, característico da marca. Vendi o
Püchner para pagar a conta, com
tristeza, pois gostava dele.
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portal - São muitos os fagotistas, profissionais ou ainda alunos, que tem Paulo Justi como centro de referencia. Como é seu relacionamento aluno-professor, professor-aluno? | |
Paulo Justi - Não me sinto
absolutamente “centro de referência” de coisa alguma. Eu me sinto
professor por vocação, uma palavra que não se usa mais, mas assim
como a música me encontrou, a vocação
para professor me escolheu. Só que eu não acho que o professor é
responsável por grande coisa, não. O professor é um indicador de
caminhos. Quem caminha é o aluno. O bom professor é aquele que não
atrapalha. No máximo dá sugestões, discute idéias e principalmente
não se sente dono do aluno. Não se pode ser dono do que é livre por
natureza. O aluno voa por asas próprias, cabe ao professor apenas
saborear o desenho do vôo. O professor deve ter em mente que ele
mesmo é um eterno aprendiz e que aprende sempre e muito com seus
alunos. Uma vez numa avaliação de professores feita pelos alunos da
Unicamp, eles me criticaram por eu ser pouco exigente. Confesso que
fiquei orgulhoso, achei um elogio. Se eu fosse convidado a citar
alguma qualidade minha como professor,
sem dúvida, em primeiro lugar citaria o bom humor
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portal - Quais são, no momento, suas atividades como fagotista? | |
Paulo Justi - Atuo pouco como
fagotista. Dou uma ajuda sempre que precisam, em Piracicaba,
Americana e Rio Claro. Estou mais dedicado às disciplinas teóricas
do curso de música da Unicamp, a Semiótica e a Estética e Introdução
à Filosofia e a terminar minha tese de doutorado na Filosofia sobre
a música
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portal - planos futuros? | |
Paulo Justi - Depois deste III
Encontro pretendo voltar à minha pacata quase monástica vida. Uma
tranqüilidade que tem data para ser interrompida. Em algum momento,
o telefone tocará e ouvirei: “Paulo, aqui é o
Lucius”. E estaremos organizando o IV Encontro; lá se irá meu
sossego, mas valerá a pena, como valeu desta vez e sou grato ao
Lucius por isso...
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