conversa de fagotista

- klaus thunemann -

 

2012 foi declarado nos estados de Berlim e Schleswig-Holstein (Alemanha) através de seus Conselhos de Música como sendo o "ano do fagote".

Assim, através de concertos, concursos, simpósios, workshops, palestras, masterclasses e outras atividades afins visa-se colocar o fagote em evidencia, pois há também na Alemanha a sensação que o fagote é um instrumento cada vez mais em falta.

Klaus Thunemann foi declarado o patrono deste projeto e baseado neste fato a revista 'rohrblatt fez a seguinte entrevista com este grande mestre do fagote.

 

entrevista publicada na revista 'ROHRBLATT 1/2012

 

'rohrblatt - Sua lista de alunos pode ser vista como um "quem é quem" no mundo fagotístico. O Sr. formou muitos e muito bons fagotistas. Qual o seu segredo?

Klaus Thunemann - quanto mais o tempo passa, mais esta é uma pergunta que faço a mim mesmo. Eu sempre tive a preocupação de realmente estar ao lado do aluno. E o aluno precisa sentir que eu estou com ele, precisa saber que não somos dois planetas diferentes, que não nos comunicamos através do espaço. Muito mais eu preciso estar muito próximo a meus alunos. Por isso para mim sempre foi difícil trabalhar com um jovem estudante por um tempo mais prolongado, quando não sentia por ele uma real empatia. Para mim há necessidade que seja possível uma forte queda pelo aluno. E comigo isso sempre funcionou.

Eu sempre falei a meus alunos: "confie em mim; eu de minha parte já estou servido". Com isso pretendia transmitir a meus alunos o sentimento de que eu estava ali para eles e não eles para mim.

Além do mais acho fundamental que com o tempo a gente não amoleça. Como professor é necessário criticar decididamente, mas também é necessário elogiar e motivar. E se o aluno aceita o elogio, então ele aceitará também a crítica. Ambos os aspectos precisam, no entanto, estar corretos. Alguns professores somente elogiam seus alunos, isso com o tempo não ajuda muito. A gente precisa lhes dizer claramente onde ainda falta algo. Tenho mais de setenta de meus alunos posicionados em orquestras no mundo todo. Isso me orgulha especialmente, mais ainda que aquilo que deixei registrado em meus CDs. Pois é na orquestra que este espírito continua atuando. E sou especialmente feliz pelo fato de, com a maioria de meus ex-alunos, até hoje manter um contato muito fraterno.

Alguns professores tratam logo seus alunos com maior intimidade, tratando-os por "Você". Eu acho que isso não leva a nada. Eu sempre esperei um determinado respeito por parte de meus alunos, mas de minha parte também sempre encarei meus alunos com respeito. Se mais tarde eles se tornaram colegas de profissão, então eu lhes dei a oportunidade de me tratarem por "Você". Disso nunca tive de me arrepender. Por isso tenho ainda hoje contato intenso com ex-alunos, que já estão há mais de vinte anos na profissão. Alguns até hoje ainda me pedem conselhos. Como exemplo, tenho um relacionamento muito amigável com Stefan Schweifert, que já está há 25 anos como fagote solista da Orquestra Filarmônica de Berlim. Nós trocamos até hoje experiências: ele sempre sabe alguma coisa mais e eu sei mais alguma coisa. E cada um aceita isso do outro. Acho isso fantástico e sou feliz assim.

 

'rohrblatt - O Sr. transmite a seus alunos um determinado conceito de som? Como o Sr. definiria sua própria concepção sonora?
Klaus Thunemann - A visão de um som precisa já estar presente em cada músico. Isso se refere não só ao cantor, mas a cada instrumentista, até a cada pianista. Também o pianista tem de ter uma concepção interior de sonoridade, caso contrário ele não vai conseguir realizar uma obra. Eu admiro pianistas que sabem respirar. Um pianista que admiro especialmente é Andras Schiff. Por outro lado eu ajudo a desenvolver um ideal sonoro, pois eu já achei o meu. Eu nem sempre toco durante minhas aulas, mas por vezes toco junto, para poder transportar esta concepção sonora.

Um outro aspecto, que para mim nunca foi contraditório, é: música e técnica. Nunca falei: "aqui está o lado técnico; e quando tivermos dominado a técnica, então faremos a música". Comigo isso sempre acontece paralelamente. Desde a primeira aula em que tive contato com algum aluno nunca aconteceu uma tal separação. Uma escala tem de ser tocada com amor. Se a gente não consegue tocar uma escala com amor também não consegue tocar Mozart, pois toda a música de Mozart se baseia em escalas, acordes e passagens semelhantes. Isto precisa ser tocado com amor, caso contrário não passa de um exercício de ginástica.

 

'rohrblatt - o que é que há com as palhetas de fagote...
Klaus Thunemann - a palheta nos ajuda a realizar o som que temos em mente. Todo fagote soa mais ou menos igual. As diferenças são sutis e são estas diferenças que contam. Quando eu era um jovem estudante em Berlim, ouvia o também jovem Dietrich Fischer-Dieskau cantar. Para mim então estava claro: eu quero que meu fagote soe assim. Da mesma maneira que Fischer-Dieskau canta. Com a mesma intensidade e calor. E sempre procurei atingir isso, mas ao mesmo tempo eu era muito crítico. Sempre falava a mim mesmo: isso a gente não pode fazer assim, assim não é possível que soar. Eu gastei um tempo incontável fazendo palhetas. E não sou amigo de produtos prontos. Hoje em dia pode se comprar tudo. Mas eu queria ajeitar a palheta de tal maneira que ela realmente correspondesse a meu ideal sonoro. E isso procuro transmitir também a meus alunos. Faz parte do ensino que cada um faça suas próprias palhetas. É claro que sempre acompanhei este procedimento e isso, através dos anos, fez com que minha classe desenvolvesse uma concepção sonora parecida. Isso significa dizer, nunca obriguei ninguém a uma determinada concepção sonora. Cada um precisa encontrar sua própria voz. Não existe nada preconcebido. Se eu obrigasse alguém a um determinada sonoridade, que não correspondesse com a pessoa, então este som nunca seria o som que pertenceria ela e que procederia dela.

Da mesma maneira como acontece com um cantor: é a pessoa que soa; em um o som pode ter mais harmônicos, em outro o timbre é mais escuro, um pode soar um pouco mais duro, como a cada um corresponde seu caráter. Uma pessoa extremamente dócil não deveria nunca tentar desenvolver um som duro, isso não é correto e não corresponderia a seu caráter.

 

'rohrblatt - seu trabalho foi agraciado com a condecoração de honra ao mérito...
Klaus Thunemann - isso é coisa do Sr. Köhler! Fiquei orgulhoso com a condecoração. Naturalmente também um pouco envergonhado, pois conheço uma lista de pessoas, não somente músicos, que teriam igualmente merecido tal honraria. Durante décadas trabalhei em muitos instituições, por exemplo como jurado nos concursos da "jugend musiziert" (=a juventude faz música). Também participei de vários juris em concursos internacionais. Através dessa atividade pude oportunamente abrir novos horizontes. Não pude influenciar plenamente, mas dei minha contribuição. Talvez quisessem com esta condecoração premiar também minha atividade como músico, que deixei como legado em meus concertos e gravações.

Na realidade nem sei quem me indicou. Em todo caso não fui eu (rsrs)!.

 

'rohrblatt - quais são seus augúrios para o fagote neste ano em este instrumento será colocado em primeiro plano?
Klaus Thunemann - Como jovem me apaixonei imediatamente pelo fagote. Desde então procuro tirar este instrumento das sombras. Não pretendo que ele seja levado até à rampa, mas que esteja mais em evidencia; que todos saibam, "aquilo ali é um fagote!" Quando, ainda criança, descobri o fagote em um um concerto de orquestra, eu apenas o via, não o conseguia ouvir.

Todos os princípios, que valem na música, como seriedade, fidelidade ao texto, beleza sonora, valem para todos os instrumentos, também para o fagote. Para os fagotistas não existem muitas oportunidades de se apresentar com solos. Nossos solos são quase sempre melancólicos, profundos, não muito longos, mas muito bonitos.

Se por acaso Vocês assistiram o concerto de ano novo da Filarmônica de Berlim então com certeza perceberam a beleza do maravilhoso solo de Alborada del grazioso de Ravel; ou então pensem na Berceuse do Pássaro de Fogo de Stravinsky, esta maravilhosa canção de ninar. Um solo para fagote fantástico! Como instrumentista sempre me alegrei em situações como esta. Espero que o instrumento realmente encontre muitos fãs, que realmente se apaixonem por este instrumento. Pois isso faz parte de nossa profissão. Não é uma atividade qualquer. A gente precisa estar intimamente ligado com seu instrumento e com a música. A gente precisa queimar, a gente precisa ferver por seu instrumento e para a música. Estou prestes a completar meus 75 anos - e fervo ainda hoje!...

ouça Klaus Thunemann interpretando C. M. von Weber, Andante e Rondo Ongharese

 

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