Numa chácara do Lago
Norte, Hary Schweizer, 56 anos, cultiva duas paixões. No barracão,
rodeado por pés de jabuticaba, banana e mamão, fabrica fagote,
instrumento musical de sopro pouco comum no Brasil. Do outro lado do
terreno de 16.700 m², num pequeno alambique, Hary tira cachaça para
curtir com amigos e parentes.
Esse filho de alemães, músico e fundador da Orquestra Sinfônica
do Teatro Nacional de Brasília, é o único fabricante de fagotes na América
Latina. Faz o instrumento há 12 anos. No sossego de sua chácara, ao lado
do Varjão do Torto, Hary busca inspiração em meio ao bosque do terreno
Desde que fez o primeiro fagote, em 1991, Hary só aprimora a
técnica. ‘‘Meu instrumento pode não ser tão bom quanto o importado,
mas com ele os músicos conseguem tocar qualquer clássico’’, garante
o artesão, que já teve seu trabalho divulgado por revistas
especializadas da Europa.
Hary encara a fabricação de fagotes como um ‘‘hobby
profissional’’. ‘‘Faço e conserto instrumentos quando tenho tempo
e paciência. Não trabalho sob pressão’’, avisa. O ofício ele
aprendeu por necessidade própria e dos alunos e colegas da UnB e da
Orquestra Sinfônica. ‘‘Com o meu trabalho, tento tornar o fagote mais
acessível’’, justifica.
Para fabricar o instrumento, Hary teve que
aprender a trabalhar com madeiras, metais, vernizes, furadeiras, tornos,
pistolas de tinta. O ofício requer muita paciência e habilidade. São
mais de 80 furos na madeira, em lugares exatos, para que o instrumento de
2,65 m consiga a afinação correta. E 65 peças de metal, que formam as
chaves e o mecanismo do fagote e ajudam o músico a criar as notas. O
instrumento de Hary é produzido em imbuia.
Já a fabricação de cachaças surgiu por acaso. Quando
comprou a chácara, há 20 anos, o canavial alimentava a única vaca do
antigo dono. ‘‘Vendido o animal foi montado o alambique para
aproveitar a cana.’’ A arte de fazer cachaça ele aprendeu nos livros.
Alemães
Apesar do nome e dos traços alemães, Hary nasceu no Brasil, na cidade de
Mafra, interior de Santa Catarina. Seu pai Antonio chegou da Alemanha em
1933. Fugia da miséria provocada pela Primeira Guerra Mundial. No Brasil,
Antonio e um grupo de alemães ganharam pequenos pedaços de terras no
meio do mato. ‘‘Plantar não era para o meu pai. Ele começou a vida
no Brasil tocando sanfona em festas. Depois, partiu para a fabricação de
bebidas.’’ Antonio fazia vinho de laranja e aguardente de pêra,
bebidas comuns na Europa. Tornou-se um empresário bem-sucedido. Conheceu
e casou-se com Marta, que já tinha dois filhos de um primeiro casamento,
também vinda da Alemanha. Hary foi o segundo filho de Antonio com Marta.
Antonio queria que todos os filhos seguissem seus passos. Mas
Hary tomou outro rumo. ‘‘Meu pai nunca me apoiou totalmente" Por
ironia, Hary conheceu a música clássica nos discos de vinil do pai. O
gosto de Hary pela música aumentou quando passou a ter aulas de piano em
um colégio comandado por padres.
Mesmo sem apoio, Hary não desistiu do sonho. Para estudar música,
foi para Curitiba (PR), distante 100 km de casa. Sobrevivia com o salário
de auxiliar de contabilidade em uma cerâmica. Trabalhava meio expediente
para se dedicar à música o restante do tempo.
Quando foi continuar seus estudos na Alemanha,na despedida
Antonio deu 5 mil marcos alemães
para o filho. ‘‘Era toda sua economia do período de guerra. Ele me
disse que era para comprar meu instrumento, mas que não sabia se o
dinheiro ainda valia.’’ O dinheiro do pai não só valia como foi a
conta para o primeiro fagote do filho.
Destino
Na Alemanha, Hary conseguiu o primeiro emprego no Brasil. Na loja de
discos em que trabalhava como vendedor, em Munique, conheceu um quarteto
de músicos brasileiros, que estava em turnê pela Alemanha. ‘‘Eles
disseram que precisavam de um fagotista para a Universidade de Brasilia.
Claro que aceitei.’’
Logo que acabou os estudos na Alemanha, em 1977, Hary veio
para Brasília. Chegou à capital casado com Sofia, uma alemã. O músico
ajudou a fundar a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional. Teve quatro
filhos brasilienses — dois casais. Tornou-se professor de música e de
fagote da UnB, função que largou para se dedicar apenas à orquestra e
à fabricação do instrumento que teve origem na renascença italiana.
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