CORREIO BRAZILIENSE, 08/12/1991

PROFESSOR DE MÚSICA DA UNB CONSTRÓI UM FAGOTE CANDANGO

O som é doce, o preço nem tanto. Tocar fagote no Brasil, principalmente em Brasília, é privilégio de poucos. Mas o professor Hary Schweizer, que leciona música e fagote na Universidade de Brasília (UnB) desde 1977, poderá melhorar a vida de muitos fagotistas, já desiludidos com a idéia de obter seu próprio instrumento. O professor Hary construiu praticamente sozinho o primeiro fagote brasiliense. O primeiro fagote "candango" já teve estréia. No último dia 21 de novembro, no auditório do Departamento de Música da UnB, Schweizer fez um concerto para dezenas de melômanos atentos, não só à beleza do som como ao sotaque brasileiro do instrumento. "Se alguém já fez um fagote nacional, não é comercializado. Já ouvi falar que em Belo Horizonte fizeram um e que, há cerca de 30 anos, se fabricava fagote no Rio de Janeiro. Mas nunca encontrei no país nenhum para vender", gaba-se o professor brasileiro, que aprendeu a tocar fagote na Alemanha.

Quintal - O alerta partiu de um colega do professor Schweizer, que via a necessidade de se ter um fagote nacional. Os importados custam em média seis mil dólares, se tiverem qualidade respeitável. "O meu está em cerca de doze mil dólares", referindo-se naturalmente ao fagote alemão que ele sempre tocou antes de fabricar um. Desde o surgimento da idéia, em 1989 até os retoques finais, lá se foram dois anos. O fagotista, agora um luthier (fabricante de instrumentos), explica que empregou apenas suas horas vagas, entre os compromissos universitários para ir confeccionando peça por peça do fagote. Nesse meio tempo, ele ainda esteve na Alemanha, onde visitou duas fábricas de fagote, e fez um apanhado geral sobre sua manutenção. Nos últimos seis meses  Schweizer obteve uma licença da UnB para concluir seu instrumento. No quintal de sua chácara, no Lago Norte, ele montou uma oficina e trabalhou o quanto pôde. "Em alguns momentos tive vontade de desistir diante das dificuldades", desabafa. Professor Schweizer conta que é difícil, em Brasília, se comprar ferramentas apropriadas. Ele precisou ir ao Rio de Janeiro e São Paulo para adquirir suas peças. Tudo isso acrescido ao fato de jamais ter feito um instrumento musical antes, retardou a conclusão de seu primeiro fagote totalmente brasileiro. Ele chegou literalmente a perder as contas. "Custou um pouco de loucura", confessa diante do instrumento pronto, instalado numa caixa de madeira especialmente elaborada para guardá-lo. "Primeiro tive de construir uma oficina para fazer o fagote. Depois ele estava pronto, precisei fazer a mala para guardá-lo", relata. Se o primeiro fagote "candango" emplacar, Brasília entrará, mesmo que modestamente, num mercado que já possui tradição em países como Alemanha (onde existe até escola para se aprender a fabricar fagotes), Tchecoslováquia, Itália, Inglaterra, Estados Unidos e Japão. E, segundo Schweizer, até os chineses já fabricam o instrumento, que teve sua origem na renascença européia.

Higiene - Para muita gente, existirem ou não fagotes nacionais à venda é pouco importante. Mas há quem desista de aprender a tocar fagote, porque seu preço é alto demais. "Um estudante de música não investe tão alto para descobrir se este é o instrumento que ele quer tocar na vida", explica Schweizer. "Só consigo dar aulas a um aluno por vez, até porque o fagote é um instrumento de sopro, que não se empresta, pois vai à boca e tem a questão de higiene", completa. O sucesso do professor Schweizer na confecção do primeiro e certamente o mais recente fagote nacional já despertou o interesse de fagotistas espalhados pelo país. O professor já foi procurado e possivelmente terá compradores para os novos fagotes que já começou a fabricar. Uma pilha de madeira muiracatiara, originária do Amazonas, aguarda a visita de serras, formões e torno para se transformar em cilindros que, uma vez polidos e envernizados, receberão pequenas peças metálicas. Mais de 60 pecinhas diferentes, devidamente cromadas (um dos poucos trabalhos que Schweizer não pode realizar), vão se encaixando nos tubos de madeira e, parece um milagre, lá está mais um fagote quase pronto.

Luciano Milhomem

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