como comprar um fagote?

 

Antonio Carlos Garcia

 

A propósito de um questionamento surgido no grupo dos fagotistas na internet sobre a qualidade dos fagotes chineses da marca LARK, vou tecer algumas considerações que acho pertinentes...

Já tive muito contato com fagotes de fabricação chinesa e atualmente tenho alunos que possuem tais fagotes. Estes fagotes apresentam uma qualidade muito baixa devido à qualidade do material com o que são fabricados: as chaves são feitas de um metal muito flexível, que envergam ao menor esforço, ao invés de se manterem firmes respondendo a uma maior pressão dos dedos com uma consequente melhor vedação dos buracos através da ação das sapatilhas. No meu entender, baseado na experiencia de ex-metalúrgico, suponho que o material por demais maleável deve ter sido usado para facilitar o trabalho de acabamento e/ou baratear os custos de produção.

Comportamento de um fagote de qualidade duvidosa

Como sabemos, quando uma sapatilha que normalmente fica fechada é acionada e aberta, ela deve se levantar a uma distância previamente padronizada em relação à borda do orifício que ela estava fechando; ela não pode se levantar pouco e nem muito, apenas a medida correta. O mesmo acontece, de maneira inversa, com as sapatilhas que ficam normalmente abertas, ou seja, ao estarem abertas elas devem estar a uma distância previamente padronizada da borda do orifício que ela irá fechar ao ser acionada. Devido à fácil deformação das chaves, essas medidas estão em constante alteração, o que praticamente impossibilita o controle da afinação, sonoridade, ataque e demais detalhes em relação à execução musical. Além de que, pelo fato de as próprias sapatilhas serem de má qualidade, vedam mal, principalmente as do tubo baixo, acentuando ainda mais o problema de inércia ao ataque que as notas graves do fagote normalmente possuem.

A madeira não suficientemente envelhecida do fagote se deforma tanto com as alterações climáticas quanto com o aquecimento e resfriamento do fagote durante o uso. Este fato deixa a afinação instável e prejudicada a precisão dos encaixes das partes do fagote (juntas). Já com pouco aumento da umidade relativa do ar quase não é possível montar o fagote, tão apertadas ficam suas juntas. Quando a umidade relativa do ar diminui um pouco, as juntas ficam tão folgadas a ponto de já ter acontecido de a campana simplesmente cair durante a execução. A folga nas juntas, aliada à deficiência das chaves e sapatilhas, provoca vazamentos e impossibilita, quase que completamente, o ataque das notas graves.

Uma imperfeição da distância entre os orifícios do fagote bem como diâmetros dos orifícios super ou sub-dimensionados é percebida pela diferença de afinação entre os registros do fagote; o registro grave é alto demais (algumas notas soam quase meio tom acima) e o registro agudo é baixo demais (algumas notas soam, literalmente, meio tom abaixo). Não há músico que dê conta de controlar um instrumento nestas condições. Isso ocorre frequentemente nos fagotes de procedencia chinesa.

Critérios para aquisição de um bom fagote

Por isso volto a expressar minhas opiniões quanto à compra de um fagote, com base em minhas próprias experiências, pois meu primeiro fagote foi um fagote fabricado em plástico e também com base nos contatos que tive através de meus alunos com fagotes chineses.

Para se comprar um bom fagote nunca se tem o dinheiro suficiente, pois um bom fagote é caro. O preço pode variar de US$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos dólares) para um fagote chinês até US$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil dólares) para um fagote alemão, da marca Heckel, modelo topo de linha.

O fato de se poder comprar somente um fagote usado não deve ser problema algum, pois existem no mercado bons fagotes usados à venda.

Há pelo menos quatro detalhes importantíssimos a serem observados quando se pretende comprar um fagote, seja ele novo ou usado:

1 - jamais compre um fagote de fabricação chinesa (apesar de existirem outras, as marcas Lark e Spalla são as mais conhecidas entre nós); esses fagotes são ruins demais; é preferível um fagote usado de marca melhor do que um fagote chinês novo.

2 - jamais compre um fagote que não seja de madeira; existem fagotes de baquelite ou de outros materiais plásticos; esses fagotes tem a sonoridade ruim, a afinação muito instável além de serem muito pesados.

3 - jamais compre um fagote com dedilhado do sistema francês; esse tipo de fagote não se usa mais nem mesmo na França. Com o perdão dos fagotistas que preferem fagotes neste sistema, há de se considerar que hoje em dia é mais fácil encontrar professores e material didático para o sistema alemão, além de a maioria das orquestras preferir a sonoridade dos fagotes no sistema alemão.

4 - se Você é iniciante e/ou não tem suficiente conhecimento do fagote, jamais compre um fagote sem que antes um fagotista profissional o tenha experimentado e o avalie para Você; um fagote ruim ou defeituoso dificilmente conseguirá ser vendido futuramente. Só um fagotista profissional poderá avaliar as condições de conservação, sonoridade, afinação e demais detalhes de um fagote.

Onde comprar um fagote

Além das oportunidades ocasionais e recomendações de colegas existem várias opções de compra no mercado:

1. o portal do fagote mantém uma seção de classificados onde se anuncia a venda de fagotes usados;

2. a loja Plander (Curitiba, PR) tem em seu estoque fagotes novos e usados à venda;

3. o Mercado Livre pode ser também uma opção de compra;

4. os fagotes confeccionados no ateliê do Hary tem atingido um nível respeitável de qualidade, afinação e sonoridade a um preço bastante acessível.

5. alguns fagotistas de nosso grupo representam alguns fabricantes europeus: Fábio Cury (Püchner), Maria Navarro (Moosmann)

Conclusão

Não se deixe abater pelo elevado custo de um fagote (o fagote é um instrumento caro mesmo!), pelas dificuldades em conseguir um professor (eles são coisa rara!), nem pelas dificuldades de aprendizado e execução do instrumento (dentre todos os instrumentos de sopro o fagote é o mais difícil por ser grande, pesado, desajeitado, usar palheta dupla, trabalhar em uma ampla tessitura, usar o dedilhado mais complicado e diferente do que qualquer outro instrumento, etc)

Considere que o que é fácil todo mundo faz; use todas essas dificuldades como desafio e como estímulo para conseguir atingir seu objetivo e seu fagote, com certeza, lhe proporcionará muitas alegrias.

Digo tudo isso sem a menor intenção de criticar a escolha que os alunos fizeram ao comprar seus fagotes, mas, é fato, que com um fagote ruim não será possível um aluno tocar nem mesmo em uma orquestra estudantil de nível intermediário, o que acarretará necessidade de um breve novo investimento em um instrumento melhor, o que poderia ser evitado caso um profissional tivesse sido consultado na hora da compra. Além do mais, se Você for um estudante dedicado, um fagote com limitações em pouco tempo não atenderá mais seus progressos e suas exigências... É necessário lidar positivamente com qualquer situação, por mais adversa que ela seja, e, com empenho e na medida do possível, procurar evoluir buscando melhores condições.

Por isso, se seu fagote do momento é um fagote chinês, pense como Marco Andre Cavalcante: "Possuo um Fagote Chines Spalla...é bom sim...me sinto como se estivesse no meu Palio, e estou contente, pois no momento posso possuir um Palio e não um Astra; do mesmo ponto saímos e no mesmo ponto chegamos, cada um com suas limitações...amanhã subirei outro degrau...quando estiver com o meu Astra vou lembrar do meu Palio e agradecê-lo com maior prazer, pois através dele adquiri muitas experiências".

De qualquer maneira nunca deixe de avaliar os itens acima mencionados!

 

Antonio Carlos Garcia, obteve o diploma de bacharelado em fagote na Unicamp, tendo aulas com Prof. Paulo Justi; toca fagote na Orquestra Sinfônica Municipal de Americana e na Orquestra Filarmônica de Piracicaba. É Professor de fagote na Escola de Música de Piracicaba "Maestro Ernst Mahle". Repassa seus conhecimentos de fagote a alunos da Congregação Cristã no Brasil. Com grandes habilidades como copista, digitaliza partituras musicais em computador, acredita que "não devemos sofrer antes da hora e nem mais que o necessário; no devido tempo as coisas se ajeitam..."

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