A partir de um idealismo que poderia
dar em nada, ele começou a fabricar algo que não apenas ninguém
ousava fazer, mas que parecia mesmo impossível praticar: a construção
de fagotes - um instrumento de madeira, cheio de chaves e estranhos
furos em curva. Como fazer esses furos em diferentes ângulos na
madeira, como fabricar pequenas chaves para esse instrumento? O que no
começo parecia uma impossibilidade é hoje, para o professor Hary
Schweizer, uma realização mais do que concreta: é bastante sonora. A
trajetória pessoal desse professor de fagote que também constrói o
instrumento está ligada com a música de uma maneira muito especial.
Seu pai veio para o Brasil junto com outros colonizadores alemães, no
período das entreguerras. Teve que se virar como pôde e tocava sanfona
em ocasiões festivas. Hary se interessou primeiramente pelo teclado,
mas apenas como leigo. "Aos 19/20 anos alguém me levou para ouvir
um concerto", conta. "Foi a primeira vez que vi uma orquestra.
Imediatamente sabia o que queria fazer". Assim, o interesse pela
música estreitou-se mais e um dia, por acaso, viu alguém abrindo um
instrumento e tocando algumas notas. Decidiu: era aquele que queria
tocar. O instrumento era exatamente o fagote. O passo seguinte foi
conseguir aos poucos ter mais contato com o instrumento. A empresa onde
Hary trabalhava, uma multinacional que fabricava cerâmica (Incepa), por
sorte apostava no lado intelectual de seus funcionários e incentivou os
estudos de fagote. Depois Hary conseguiu, a duras penas, ir para a
Alemanha estudar o instrumento. Precisou pagar sua estada trabalhando
numa loja de discos. "Foi um ótima formação trabalhar nessa
loja, na seção de música clássica"., relembra ele.
"Aprendi muita literatura musical, tive conhecimento de orquestras,
intérpretes. Os clientes vinham se aconselhar sobre qual gravação era
a melhor e era preciso diferenciar entre cinco gravações
diferentes". A volta ao Brasil se deu através da loja de discos,
que tinha o Quarteto de Brasília como cliente. Como a UnB precisava de
professor de fagote, logo os contatos se concretizaram num contrato e
desde 1977 Hary é professor do Departamento de Música da UnB. Montou
com outros músicos um Quinteto de Sopros, que acabou depois de muito
tempo. "Fizemos turnês pelo Brasil e pela América Latina e
apresentávamos sempre um concerto diferente a cada duas semanas no
departamento", conta Hary. Em 78 foi formada a Orquestra Sinfônica
do Teatro Nacional e o maestro Cláudio Santoro convidou vários
músicos do departamento para ajudar na formação, entre eles o
professor Hary, que até hoje é músico da orquestra. Há cerca de três
anos, cansado de tentar obter instrumentos para seus alunos por vias
tradicionais, Hary decidiu começar a construir, ele mesmo, fagotes.
"Pelas vias burocráticas era uma impossibilidade. A importação,
além de complicada, é cara", explica Hary. "Um fagote novo
não sai por menos de US$ 8.000,- e ninguém está disposto a investir
tanto dinheiro se não tem certeza de que é isso mesmo o que quer
fazer". Entre a decisão e a realização, Hary precisou enfrentar
a falta de qualquer literatura especializada ("por acaso surgiu um
livro genérico sobre construção de instrumentos de madeira, mostrando
os passos a serem seguidos, sem muitos detalhes") e a ausência de
apoio financeiro. A única ajuda que recebeu foi do CNPq para visitar
uma fábrica de fagotes na Alemanha e, da própria Alemanha, uma ajuda
para sua estada. A fábrica alemã mostrou muita coisa, mas não tudo, e
foi preciso aprender por conta própria. "É um trabalho de cópia
no qual eu imito o que vejo no outro instrumento, mas descobri que as
fábricas alemãs também usam o mesmo procedimento", conta ele.
Já fabricou quatro fagotes e tem dois em fase de acabamento. "Mas
os próximos 10 que eu fizer já estão empenhados". Semanalmente
ele recebe telefonemas de pessoas interessadas em conhecer o processo.
Uma revista alemã especializada publicou um artigo sobre o seu trabalho
e um musicólogo (também alemão) de passagem pelo Brasil, veio até
Brasília para conhecer e conversar com Hary. Ninguém mais no país,
talvez nem mesmo na América Latina, está fabricando fagotes. Três de
seus alunos (sua turma também é motivo de orgulho: nove alunos, um
número mais que considerável) tocam com fagotes que foram fabricados
pelo professor. "Não tenho como fazer um instrumento excelente,
que só as boas fábricas sabem fazer, mas ele é melhor que muitos
instrumentos vindos da Europa e que possuem um nome conhecido",
avalia Hary. "Os próximos já podem sair com um certo carimbo, mas
a melhor propaganda é mesmo o instrumento, porque quando ele soa as
pessoas podem se interessar por sua origem e vão chegar ao meu
trabalho", define. Um trabalho que tem algo de artesanato e muito
de obra de arte.
Paulo Paniago
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