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Patativa do Assaré encontra Mozart no sertão
Lutheria Brasil
teve como objetivo colocar em contato os fabricantes artesanais de
instrumentos musicais no País, um grupo que ninguém sabe exatamente
quantos são
Moacir
Assunção
Agência
Estado
18 de dezembro de 2008
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E Mozart encontrou-se com
Patativa do Assaré e Luiz Gonzaga em pleno sertão nordestino. Os
alaúdes, instrumentos medievais usados pelos menestréis da Idade
Média, deram de cara com rabecas feitas de cabaças e fagotes,
instrumento de sopro datado da Renascença, e bumbos feitos de
aroeira em um encontro pra lá de inusitado. A cidade de Juazeiro do
Norte (CE), a 565 quilômetros de Fortaleza, foi palco, na semana
passada, da Lutheria Brasil, evento que teve como objetivo colocar
em contato os fabricantes artesanais de instrumentos musicais no
País, um grupo que ninguém sabe exatamente quantos são, mas que
oferece um contraponto ao domínio dos grandes fabricantes chineses,
que praticamente dão as cartas na área. "Foi uma ousadia
maravilhosa", definiu o promotor, Elisandro de Carvalho, presidente
da ONG Instituto Atos.
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Criador das curiosas
rabecas feitas de cabaças, que encontra em qualquer terreno baldio
na cidade, mas também planta em casa, Francisco Ferreira de Freitas,
o Di Freitas, de 43 anos, era um músico clássico, com passagem por
várias orquestras, quando, ao ver um cego tocar o instrumento - uma
espécie de viola medieval rústica, que lembra um violino - na feira,
se apaixonou. O Cego Oliveira, como era chamado, foi um dos últimos
tocadores de rabeca da região, onde esse tipo de músico ameaçava
desaparecer. Di Freitas resolveu dar aula do instrumento e, na
seqüência, acabou ajudando a criar uma orquestra de 15 meninos
pobres no Araripe, cidade ao Sul do Ceará. Havia um detalhe: nenhum
deles tinha dinheiro para comprar o instrumento, que custa algo em
torno de R$ 400.
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"Descobri que as cabaças
eram a caixa perfeita da rabeca e não custavam praticamente nada.
Uma rabeca feita com esse material sai por algo próximo de R$ 5",
conta. As músicas tocadas pelo grupo vão de Patativa a Beethoven. O
som, garante o músico, não deixa nada a dever aos melhores violinos
de Cremona, na Itália, terra dos luthier. José Antônio da Silva, o
Mestre Chico, construtor de zabumbas, tambores treme-terra e
pífanos, líder da banda cabaçal Santo Antônio, filho dali mesmo do
Juazeiro, foi outro a participar da curiosa reunião aos pés da
estátua do Padre Cícero Romão Batista, o Padim Ciço, guia espiritual
de boa parte dos nordestinos.
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ZABUMBA - Mestre Chico, de
63 anos, pouco mais de 1,50 m de altura, analfabeto, sempre de
chapéu preto, tem as mãos calosas do seu duro trabalho. Quando quer
um instrumento melhor, ele entra na caatinga e procura a aroeira,
planta típica da região, famosa pela sombra frondosa. Ao olhar para
a árvore, ele já sabe se vai ou não dar uma boa zabumba. "Planta com
nó não dá certo, porque quebra fácil", ensina. Ele começou a fazer
instrumentos nos anos 60, olhando outras pessoas fazerem à mão o
trabalho. "Quando comecei era sozinho, hoje tem mais uns oito
fazendo a concorrência comigo. Todo mundo tem de sobreviver", diz,
conformado. Os instrumentos custam em média R$ 200.
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O único fabricante de
fagotes da América Latina, Hary Schweizer, de 61 anos, tem muito
pouco a ver, a começar pelo sobrenome alemão, com o universo
sertanejo, mas mesmo assim compareceu. Apenas 400 pessoas, de acordo
com ele, tocam o instrumento no Brasil, onde ainda é pouco
conhecido. "Fabricar um fagote é um trabalho próximo do do ourives
ou do relojoeiro. Comecei a fazer quando alguém, numa época em que
importar era difícil, me perguntou por que não fazíamos nossos
próprios instrumentos", contou. Para isso, Schweizer, que é
professor da Universidade de Brasília (UnB), teve de fazer uma
espécie de estágio na Alemanha, terra dos melhores fagotes e
fagoteiros. Também participou da mostra o mestre Joaquim Pinheiro,
do Rio, que fabrica instrumentos medievais, como o alaúde e a cítole,
os preferidos dos menestréis, além da viola de gamba, uma espécie de
irmão maior do violão.
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