A POSTURA AO TOCAR

William Waterhouse

(1931 - 2007)

extraído e traduzido do livro "FAGOTT":

"em setembro de 2007 consultei o prof. William Waterhouse sobre a possibilidade de traduzir alguns capítulos de seu livro, por achar que seriam de grande interesse para os fagotístas brasileiros, tão carentes de uma literatura especializada. Ele gostou da idéia, mas se mostrou reticente devido ao problema dos direitos autorais dos editores. Estávamos estudando a melhor maneira de fazer isso. Logo depois deste contato, em novembro de 2007, ele veio a falecer. A edição IDRS vol. 32, n° 3 trouxe fotos da coleção particular de instrumentos de Waterhouse, motivo pelo qual tomei a liberdade de traduzir "in memoriam" um dos capítulos do seu livro e assim divulgar o seu trabalho..." (Hary Schweizer)

 

 

1. A TEORIA

 

A postura ao tocar é aqui entendida como uma inter-relação entre intérprete, corpo e instrumento. O quanto ela é positiva será determinado pela eficiência de elementos importantes como respiração, embocadura e mesmo a agilidade técnica dos dedos.
A postura é influenciada por fatores como:
  • o biotipo de cada um e o tamanho do corpo;
  • a posição de tocar, em pé ou sentado; isto pode influenciar a respiração;
  • a maneira escolhida de apoiar o instrumento; isto vai determinar a posição em relação a braços e lábios;
  • a curvatura do bocal; isto interfere no ângulo pelo o qual a palheta vai estar em relação aos lábios.
Estes fatores precisam ser observados para se obter uma posição eficiente e cômoda de tocar.
Se a respiração e a maneira como ela é conduzida são os elementos essenciais de tocar fagote, então o volume e a atuação da respiração são fortemente dependentes de uma "boa postura". Poderíamos definir isso como uma situação pretendida pela natureza: o uso que o homem primitivo fazia de seu corpo, não influenciado por fatores da vida moderna como alimentação, vestimenta, atividade sedentária, etc. Quanto mais se aproveitam os próprios conhecimentos e capacidades, tanto maior é o desempenho que o corpo pode oferecer. Tudo o que atrapalha a eficiência do corpo, atrapalha o instrumentista de sopro. O fagote, por causa de de seu formato, tamanho e peso, apresenta problemas que precisam ser resolvidos individualmente por cada músico. Muito do sucesso como fagotista depende da maneira como cada um consegue resolver estes problemas.
Pode-se constatar uma admirável melhora da qualidade sonora quando um coro amador canta em pé uma passagem, comparada à mesma passagem cantada anteriormente sentado. Da mesma maneira que um orador profere seu discurso preferentemente em pé do que sentado, pode-se argumentar que o tocar em pé ao invés de sentado tem vantagens:
  • os músculos costais (com os quais os da perna estão relacionados) tem de participar de uma maneira maior do que quando sentados, e eles fornecem uma contribuição adicional para o apoio da respiração;
  • a gente pode se sentir livre, e reagir mais diretamente e menos tolhido às exigências artísticas do momento;
  • uma alternância na distribuição do peso do corpo sobre as pernas pode exercer nuances de mudança no apoio e controle da respiração.
Por isso, quando nas ocasiões em que o fagotista necessitar de uma projeção máxima, como por exemplo na execução de um concerto ou de um solo, ele estará em vantagem se optar por uma postura em pé. Músicos de orquestra e de câmara, porém, são obrigados na maior parte das vezes a tocarem sentados.

Considerando que as consequências ligadas a este fato precisam ser levadas em conta, vamos abordar separadamente o tocar em pé e o tocar sentado.

O equilíbrio que se atinge entre cabeça, pescoço e coluna é decisivo para um uso eficiente do corpo. Quando se observa um esqueleto adulto de lado, pode-se perceber que a coluna está triplamente curvada. Começando na bacia a coluna se curva levemente para frente. Na altura das costelas ela se volta para trás, e na altura do pescoço vai novamente para frente e suporta a cabeça. Em certo sentido poderíamos comparar a coluna com uma pilha lenha: quando uma vértebra não está aprumada, é como se um toco desta pilha de lenha estivesse fora de lugar, uma estabilidade relativa só pode ser obtida se o próximo toco estiver colocado de tal maneira que ele ofereça um contrapeso. Para se conseguir o equilíbrio com um mínimo de esforço, precisamos sustentar a cabeça (este parte do corpo relativamente pesada) de tal maneira que ela não caia para frente nem penda para trás.

A postura de quem toca deveria ser tal que a palheta seja conduzida aos lábios diretamente de frente (ao invés de em ângulo oblíquo) e que ocorra um ângulo confortável para a embocadura. A maioria dos músicos precisa se adaptar ao instrumento e seus acessórios para que ele corresponda a suas necessidades individuais (forma, tamanho, queixo, etc.) para encontrar e definir a posição correta.

 

2. A PRÁTICA

 

Tocar em pé

 

Algumas orientações acadêmicas antigas proibiam aos estudantes de tocarem em outra posição que não fosse a em pé. O motivo para isso era presumivelmente que, tocando em pé, não se viciavam em posições defeituosas como quando tocando sentado. Em pé realmente é possível de se puxar a cabeça para frente ou por outro lado repuxar o queixo e soltar o peito para fora. A posição mais confortável, no entanto, de se tocar em pé é quando cabeça, pescoço e costas estão alinhados verticalmente numa linha e assim compensar os efeitos da gravidade e evitar contrações desnecessárias. Poderia ser feita a comparação com a posição de um guarda, que precisa ficar por longo tempo em sentido. Os ombros estão alinhados com os quadris e os pés estão levemente separados (no fagotista talvez o pé esquerdo levemente à frente do direito).
Nesta posição o aparelho respiratório tem seu mais amplo espaço livre. O ideal seria que se  encontrasse um maneira de segurar o instrumento de tal modo junto ao corpo que as mãos pudessem atingir as chaves sem esforço, que a palheta pudesse ser conduzida aos lábios num ângulo ideal para a embocadura.
Para determinar a postura mais cômoda a gente deveria usar dois espelhos - um colocado de maneira frontal, outra de lado na parede - para se observar de perfil o que a gente faz e o que acontece a cada momento. A gente se posiciona sem o instrumento para sentir que tudo pareça bem e que funcione. A gente pode observar melhor o que realmente acontece com as costas e com os quadris, isso se a vestimenta não for por demais folgada nem em forma de saco, pois nestes casos ela esconde mais do que mostra. Então a gente traz o instrumento para a posição de tocar sem interferir em nada.

 

Tocar sentado

 

Alguns professores parecem não se interessar como seus alunos tocam quando sentados, pois eles normalmente os observam tocando em pé. No mundo real, porém, praticamente toda execução musical acontece tocando sentado. Está-se diante do problema que a maioria das cadeiras não é concebida para atender o conforto e funcionalidade de quem toca. Elas foram concebidas para o descanso e para a descontração ou então para facilitar seu armazenamento e/ou seu transporte e não para se trabalhar nelas. Sua altura não é regulável, o espaço onde se senta é deitado para trás, curvado para dentro ou almofadado, seu encosto se encontra inclinado e não tem condições de oferecer apoio onde este se faz necessário. Algumas cadeiras tem uma aresta nos contornos, que atrapalha o instrumento; e como os fagotistas conhecem este problema. Cada cadeira oferece um outro problema, que precisa ser resolvido, quando não somos obrigados a sentar mal. É possível resolver os problemas de uma cadeira problemática da seguinte maneira:
  • apoiar as pernas traseiras com um toco de madeira (excepcionalmente até com os próprios sapatos), para alterar seu ângulo;
  • colocar uma segunda cadeira de igual formato por sobre a primeira para alterar sua altura e/ou seu ângulo;
  • usar um travesseiro em forma de cunha (ver figura abaixo);
  • sentar na parte frontal ou na lateral, o que significa abandonar o apoio das costas;
  • girar a cadeira no sentido horário se o assento estiver torto ou voltado para dentro, de tal maneira que o encosto fique no lado esquerdo.
 
Fundamental é não deixar que uma cadeira mal construída interfira numa postura eficiente no nosso fazer musical.
Cada instrumento de orquestra tem determinadas exigências. Em determinadas orquestras os violoncelistas, por exemplo, tem um modelo de cadeira adequado a suas necessidades; o fagotista merece igual consideração. Quando o assunto é cadeira os músicos dos instrumentos menores de sopro, comparado aos fagotistas, tem uma maior liberdade de escolha. Por causa da forma específica do fagote, que exige que o instrumento seja sustentado ao lado do corpo e por seu peso que exige por vezes um equipamento próprio para seu apoio, a opções são bem mais limitadas. Como ao tocar em pé é preciso perseguir o seguinte:
  • adotar posturas válidas ao tocar sentado;
  • manter a correta relação entre cabeça, pescoço e coluna, o que é de suma importância;
  • garantir a maior liberdade de movimento possível do aparelho respiratório.
Os ombros devem permanecer numa linha e não tortos. A altura da cadeira deve permitir que o calcanhar descanse no chão. Quando a maneira de sentar tenha ficado definida, deve-se também atentar que a estante e o regente estejam visíveis.
Uma situação ideal permite certa liberdade ao tronco e liberdade de movimentos, sem que o encosto da cadeira venha a atrapalhar. É, no entanto, recomendável, que o encosto, caso seja necessário, possa eventualmente ser usado. Enquanto que o pianista em seu banquinho está obrigado a confiar nos seus músculos costais para não cair, o instrumentista de sopro precisa oportunamente o apoio do encosto, pois tem de dar conta de longas tarefas no decurso de exaustivos e intermináveis ensaios e apresentações.
O Dr. Richard Norris contribuiu valiosamente neste contexto, em seu The Musician's Survival Manual (Norris, 1993), quando chamou a atenção para o efeito que o ângulo do assento tem para o diafragma: " O sentar com os quadris e joelhos num ângulo de 90° faz facilmente com que a curvatura lombar fique ao contrário. Assim o diafragma fica murcho e o peito tomba, de tal maneira que uma respiração ampla fica difícil".
Para que se consiga o efeito contrário ele recomenda o uso de um pequeno travesseiro em forma de cunha, para alterar o declive do assento da cadeira; "o assento caindo para frente traz o ponto de apoio diretamente sobre o osso de sentar, o que é muito parecido com a postura de tocar em pé.

                 

3. PROGRAMAS

 

  1. tocar em pé e em seguida tocar sentado, diante de um espelho. Observar em que medida o ângulo do instrumento tenha eventualmente se alterado. É provável que a posição do instrumento em relação ao corpo seja diferente, conforme a gente toque em pé ou sentado. A gente deve estar consciente deste fato e de suas consequências.
  2. Enquanto a gente estiver sentado, balançar um pouco para frente e para trás sobre um ponto giratório imaginário apoiado no último ponto de apoio da coluna, a fim de descobrir o ponto de equilíbrio.
4. ERROS / PROBLEMAS

 

Determinados problemas referentes à contração física - de pequenas queixas a grandes dores - podem ser debitadas ao fato que durante um certo tempo foi adotada uma posição errada ao tocar. O erro mais comum é o de deixar a parte posterior da coluna cair sobre o encosto da cadeira.

Além disso aqui outros defeitos que devem ser evitados:

  • o girar a parte superior do tronco, causado pelo ato de posicionar o ombro esquerdo para frente e o direito para trás;
  • encolher os ombros;
  • cotovelo direito sustentado muito para trás;
  • arcar o punho direito;
  • levar a palheta aos lábios com outro ângulo que não seja o reto (visto de ambos os lados);
  • cruzar as pernas;
  • esticar os pés para frente;
  • segurar a cadeira com as pernas.
 
Alguns dos problemas mencionados podem ser causados pelo considerável peso dos instrumentos modernos. Poderá eventualmente ser necessário alterar acessórios como o bocal ou o sistema de sustentação do fagote para possibilitar uma postura mais adequada e confortável ao tocar.

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Original em inglês "BASSOON", editado em 2003 por KAHN & Averill, 9 Harrington Road, London SW7 3ES - Inglaterra

tradução alemã "FAGOTT" editada por Bärenreiter-Verlag Karl Vötterle GmbH & Co, KG, 34111 Kassel - Alemanha

 

 

 

 

índice do livro

1. HISTÓRIA
  • o fagote e seus parentes
  • o moderno fagote alemão
  • o fagote francês
  • o contrafagote
  • tocar em "instrumentos históricos"
3. O INSTRUMENTO
  • escolha do modelo
  • bocal, Acessórios, extras, alterações
  • a palheta
  • cuidado e manutenção
4. TOCAR
  • Introdução
  • Treinamento: tocar como se pratica um esporte
  • Postura no tocar
  • Barriga / a respiração
  • Boca / embocadura
  • Língua / articulação
  • Dedos / técnica de digitação
  • Posições / acústica
  • Técnicas de vanguarda
  • Cérebro, interpretação, memória
  • Sonoridade
  • Vibrato
  • Exercícios (prática geral)
  • Preparação de material novo
  • Execução solista
  • Tarefas no conjunto / orquestra
  • Exames, audições, concursos
  • Estudo (formação)
5. REPERTÓRIO E APLICAÇÃO
  • Generalidades
  • Discussão do Concerto Mozart K. 191
  • Discussão do concerto Weber op. 75
  • Material de estudo
6. BIBLIOGRAFIA e LISTA DE OBRAS
  • artigos e livros
  • Repertório recomendado
  • Material de estudo recomendado
7. APÊNDICE

 

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