VIAGEM PELO MUNDO DAS PALHETAS... Francisco de Assis A. Formiga |
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Eu faço pelo menos uma palheta por dia. Acredito ter sintetizado um jeito padrão de montá-las, parece um pouco "viagem", mas sempre penso no menor esforço, nas mesmas medidas, numa alavanca maior com o menor número de variáveis possíveis: sempre avaliando cor e som. Eu penso em palheta como uma peça que viabiliza a produção de harmônicos graves, médios e agudos; fica ao gosto de cada um temperá-la a seu modo: som mais metálico, mais escuro, médio, seja lá o que for, é sempre um jogo de compensações nesta pequena alavanca. Parece não ser tão fácil achar uma fórmula que simplifique a confecção de uma palheta, embora cada um tenha um jeito de fazê-la funcionar. Eu tenho visto e testado todo o tipo de canas (nova, velha, branca, amarela, marrom); experimentando também outras formas não conhecidas, também as da Fox e da Rieger. As máquinas que tenho (goivar, fazer a ponta) ajudam nesta tarefa de fazer a tal da palheta, mas acredito que cada um tenha uma idéia pessoal de palheta. Uns, com a embocadura já mais encorpada, preferem-na com uma resistência ao ataque; outros preferem palhetas mais leves, com uma resposta mais fácil. Eu tenho entendido que cada profissional em seu respectivo local de trabalho monta sua palheta em função da exigência local; neste contexto também se encaixa o aluno, seja no estudo, seja na escola na relação professor/aluno. Se se toca numa orquestra onde o maestro não quer ouvir um fagote sonoro, acaba-se desenvolvendo uma palheta mais sensível; se se toca música de câmera faz-se uma palheta mais sonora; se se quer fundir o som no seu grupo de madeiras faz-se uma mais escura... cada um vive uma realidade! Quanto às medidas acabei por padronizar para mim uma medida de tubo e de lâmina: o tubo em torno de 27mm; a lâmina em torno de 28mm ou 28,5mm e introduzo a palheta aproximadamente 8mm no tudel. Sei que muitos usam a lâmina com 27mm, o que ajuda para o agudo, mas prejudica para a sustentação da afinação em 442 hz; já os 28mm de lâmina asseguram que a afinação não tenda muito a subir. Também há que se considerar a palheta como alavanca: se mais longa, fica mais fácil trabalhar com a embocadura, além de poder trabalhar mais a madeira: se muito curta, há a necessidade de raspar muita madeira para compensar e ganhar flexibilidade. Faço no papel o desenho da meia-lua que quero na palheta e transfiro este papel para o carro da máquina de raspar; tenho assim uma máquina que me dá a cana com a meia-lua já feita (substitui a máquina de fazer a ponta) e é de graça! Aliás, essa foi uma idéia de Marcelo Toni, fagotista do Teatro Municipal de São Paulo. Outra coisa que tenho visto e que faz muita diferença é a questão do aperto das lâminas no momento da montagem. Acho que podemos matar a palheta neste momento! Um aperto impensado pode estrangular a palheta...Quando decido mudar o ângulo da cana, há que se considerar que é uma forma nova para a madeira e ela precisa de tempo para aceitá-la. Por isso muitos fagotistas montam a palheta e só começam a usá-la meses depois. Quanto às canas: tenho visto que uma cana velha dá uma resposta de som mais seca e imediata; as da Rieger tem vindo muito verdes e o som fica fofo e a resposta ao ataque um pouco mais lenta; as da Danzi tem uma textura mais densa e a cor do som é um pouco mais encorpada. De qualquer forma acho que se deve ficar só com um tipo de cana por um mês ou mais para definir o seu comportamento. O uso simultâneo de vários tipos de cana pode levar a conclusões erradas. São tantos os fatores que interagem, atrapalham ou mesmo estragam a confecção de uma palheta que falar sobre isso é um assunto muito delicado. Se tenho, por ex., uma caixa de boas palhetas e está calor, mas de repente começa uma temporada de chuvas, aí nenhuma das palhetas que eram boas funciona; então chego a pensar que "não sei mais fazer palhetas"! Com o tempo a gente fica mais calmo e tudo volta ao normal. Por isso (e por muito mais) toda esta novela de palhetas, quase um testamento, uma verdadeira "viagem", principalmente para quem está começando.
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