INTERPRETAÇÃO E MANEIRA DE ESTUDAR

capítulo 5

 do curso de extensão universitária ministrada na UFRJ,

agosto/setembro de 1966

NOEL DEVOS

 

 

Em uma simples sucessão de notas, tomadas isoladamente, seja numa escala, um fragmento de escala ou um arpejo, há sempre um problema musical a realizar, tais como: fraseado, sonoridade, timbre, ataque, vibrato, cores, atração tonal, atração rítmica, afinação, etc. Por isso , deve ser pensado em conjunto. E num estudo puramente "técnico" pode-se realizar uma "interpretação" ao se atentar para estes detalhes. Uma interpretação, evidentemente, baseada unicamente nas leis fundamentais da música. Uma interpretação pura, neutra, sem artifício - que vem explicar a grande dificuldade que se encontra na execução de uma simples escala.

Vemos, pois, que a escala, o fragmento da escala ou o arpejo, obedecem antes a interpretações diferentes. Depois, a técnica se subordina a estas interpretações, passará a ser um simples meio, enquanto que a verdadeira finalidade será a "idéia" artística. A procura da interpretação na obra musical deve obedecer a uma lógica, na qual a fidelidade ao texto escrito terá que ser sagrada. A inteligência controlará o sentimento durante a preparação da obra e este, por sua vez, controlará, evitará os vícios musicais e as execuções de mau gosto.

Desde que o aluno se inicia no instrumento, o problema artístico deve ser uma preocupação de todo o instante. Qualquer nota tocada deve ser pensada e executada com intenção artística. As grandes linhas devem aparecer e os detalhes obedecendo a elas. Esta maneira de trabalhar, que deve ser uma disciplina de todas as horas, acabará por se tornar um hábito. E assim poderemos evitar os vícios de tradições e sistemas. Somos contrários à opinião de que se deve mostrar a um aluno as diversas maneiras de atacar os sons ou fazer um staccato nas diferentes obras musicais de Mozart, Beethoven, Bach, etc. explicando-lhe que "assim é feito por causa da tradição". Para nós o mais lógico é que o próprio aluno descubra isto através do estudo, sensibilidade, cultura e educação. Para o estudo do fagote esta forma de raciocínio é mais legítima, uma vez que os estudantes deste instrumento são em sua maioria adultos ou quase adultos, só admitindo as explicações destes processos se demonstrados pelo raciocínio. Procedendo desta maneira o aluno terá um fim preciso e determinado, descobrirá o verdadeiro caminho e se esforçara por atingi-lo. Mesmo se não o consegue de início, o seu esforço o aproximará cada vez mais do fim desejado. Haverá então um processo artístico, acompanhado automaticamente de um grande progresso técnico, porque o aluno teve que lutar para dominar sua técnica.

No decorrer de sua carreira artística, habituado a esta disciplina de estudo, saberá tirar partido de qualquer obra musical que lhe seja apresentada - de autores conhecidos ou desconhecidos - dando a estas obras uma interpretação correta, impregnada de sua própria personalidade. E estas são as qualidades essenciais e necessárias ao músico intérprete.

_____________________________________

 

 

 

outros capítulos do curso de extensão:

página inicial