Conversa de fagotista |
|
- cristina porto costa - |
|
|
|
portal - do fagote ao estudo dos males relacionados ao exercício da profissão "Músico", como foi este passo? |
|
Cristina - Meu interesse por saúde dos músicos vem de longa data. Tive formação pianística, e ouvi muita conversa sobre as famosas oito horas de estudo ao instrumento para ser um bom músico. Pois é. Como, se o corpinho não agüenta e reclama? Uma conjuntura profissional/doméstica me levou a uma tendinite quando já tocava fagote. E achei que eu devia estar fazendo algo muito errado para doer daquele jeito. Fui na sala do colega flautista e descobri que ele também sentia dores. E a oboísta, e a harpista, e o...Minha nossa! De 51 professores com quem conversei e entrevistei, 35 sentiam dores, mas poucos comentavam. A tal cultura do silêncio...Cordas então, a maioria! Daí para procurar ajuda, informação e ser aceita no Laboratório de Ergonomia da Universidade de Brasília foi uma questão de tempo. E sou grata à acolhida daquela instituição, pelo tanto que me possibilitou em pesquisa e em conhecimento.
|
|
portal - qual a descoberta mais marcante que fez neste contexto? | |
Cristina
- A
de que a dor não é um mal necessário e inerente à profissão! O
discurso de dar o sangue para aprender e tocar bem o instrumento precisa
ser revisto. Obviamente não falo só do mito das oito horas, de ser o
“operário do som”. Pergunto, assim como tantos outros educadores,
se não estão faltando técnicas apropriadas no processo
ensino-aprendizagem. Como usar a repetição de forma adequada,
respeitando as características e limites do nosso sistema músculo-esquelético
e otimizar nosso desempenho, simultaneamente?
|
|
portal - é possível uma listagem básica dos problemas? | |
Cristina
- A
falta de informação é um grande obstáculo a ser manejado. As tensões
desnecessárias muitas vezes acontecem por falta de consciência
corporal e sua aplicação ao instrumento. A atividade de qualquer
instrumentista passa pelo corpo, o que exige preparo físico. Se na roda
viva da profissão não dedicamos um tempo a isto, a probabilidade de
desconfortos se acentua. Por vezes, os profissionais de saúde que
tratam dos músicos não têm a visão integrada que precisamos, a
compreensão de que dificilmente se vai parar totalmente de tocar, ficar
de repouso até o quadro sumir. E este é outro ponto que precisamos
considerar: quando e como voltar depois de algum problema. Uma listinha
básica vai apresentar itens como sobreuso da musculatura com presença
de atividades concomitantes, como dirigir, usar computador, jogar tênis...Então
o instrumento é apontado como causa, mas precisamos ver o contexto e a
conjuntura! Outra questão fundamental nos riscos ocupacionais é a
Perda Auditiva Induzida por Ruído (PAIR), que acomete tanto músicos da
sinfônica quanto os de rock e demais profissionais que se expõem a
grandes intensidades sonoras. Do trauma temporário à lesão irreversível,
todo cuidado é pouco, especialmente em bandas que ensaiam em espaços
inadequados. Um terceiro grande problema, sem hierarquia nesta apresentação,
bem entendido, é a ansiedade de palco. Aquele medinho de tocar em público
que traz consigo sinais físicos como a perda de controle dos
movimentos, a boca seca, uma taquicardia feroz, uma sudorese que não
ajuda em nada...Há recursos para cada caso, mas o ideal é inserir nas
práticas de formação o contato gradativo com a situação de palco,
com um repertório que não esteja além das possibilidades imediatas do
aluno.
|
|
portal - que recomendação daria para a minimização dos problemas de saúde do músico profissional? | |
Cristina
- Conhecer
seus limites e respeitá-los, negociar questões como controle e pressões
temporais pensando no coletivo, incluir na agenda de compromissos um
tempo para descanso e lazer, pensar em sua qualidade de vida. Isto
passará pela inclusão de alongamentos, pausas regulares no estudo e na
jornada de trabalho, de aquecimento da musculatura fora do instrumento,
por exemplo. Uma parte destas decisões cabe ao músico. Já tocar em um
ambiente de trabalho saudável depende de outras variáveis, de jogo de
cintura, das relações interpessoais que se estabelecem, da procura por
condições que favoreçam o desempenho de todos. É um exercício e
tanto. Que o digam os colegas das sinfônicas e bandas!
|
|
portal - voltando ao tempo: como e quando decidiu estudar fagote? | |
Cristina
- Enquanto pianista, atuava como correpetidora, mas não podia carregar
o instrumento para fazer música de câmera, o que pesou na hora da
virada. Brinco! Na verdade, ouvi a Maria da Graça Plümacher e o Sérgio
Giordano, que iniciava a passos mais que largos no instrumento. E além
do timbre maravilhoso, que me chamou a atenção ao ouvir uma orquestra,
ambos me fizeram crer que era...fácil! Se houver outra vida, quero começar
mais cedo, com certeza!
|
|
portal - um momento alto e um momento baixo de seu aprendizado no fagote: | |
Cristina
- Ter
tido como professor a orientação de Hary Schweizer foi um presente que me fez ter muito mais
altos do que baixos. Uma orientação segura é metade do caminho.Por
outro lado, perceber as dificuldades reais do instrumento e as restrições
do mercado me deram uma balançada (especialmente quando a agenda começa
a ficar cheia, o tempo para estudo curto e você sabe que ainda não está
pronto).
|
|
portal - Você tem se revelado uma ótima professora de fagote, sobretudo entre os iniciantes. Conte um pouco desta vivência! | |
Cristina
- É
uma experiência gratificante, um retorno ótimo ver a moçadinha
tirando seus primeiros sons, aprendendo a cuidar do instrumento,
incorporando os alongamentos às suas práticas, descobrindo um mundo
novo, a música de câmera e a música orquestral, os grandes solos e a
vontade de chegar lá. Claro que, dos que principiam, nem todos
permanecem. O custo do instrumento, o fluxo e as solicitações das
demais disciplinas do curso, as expectativas frente ao mercado de
trabalho, tudo influencia. Já tive aluno que desistiu porque, afinal,
“saxofone é mais fácil e agrada mais ao público”. Perdoem-me os
saxofonistas que por aqui passarem!
|
|
portal - e o fagote JUNIOR? | |
Cristina - O Júnior é uma “mão na roda”. Um instrumento fundamental para realizar oficinas experimentais com as crianças, para iniciar uma classe mais cedo, para dar chance aos que tem mãos pequenas. O Júnior é uma ferramenta eficaz, posso afirmar! E por não ser transpositor, a passagem para um instrumento regular também fica mais fácil. | |
|
|
portal - entre o tocar e o ensinar, o que a realiza mais? | |
Cristina
- Toda
moeda tem duas faces. Assino embaixo. Tocar é extremamente prazeroso
mas descobrir o que ajuda alguém a tocar melhor e desenvolver seu
potencial, também. Desta vez, fiquei em cima do muro, pensando que é
na hora de tocar que todos os recursos são mobilizados...Há que se
preparar para este momento de muitas formas!
|
|
portal - e entre o tocar/ensinar e as solicitações decorrentes de sua pesquisa sobre a saúde do músico, para onde tendem seu coração e seus interesses? | |
Cristina - Penso que para tocar plenamente é preciso estar bem de saúde, mental e física. E que a música ajuda nestes dois sentidos, é também um fator de equilibração nesta correria estressante em que nos metemos muitas vezes sem perceber. Pesquisar sobre aspectos de prevenção, trocar idéias sobre isto está fazendo muito sentido neste momento e pretendo seguir nesta direção. | |
portal - como é a convivência com a fama, advinda de suas pesquisas? | |
Cristina
- Sem
essa de fama. Formiguinha trabalhando em prol de uma causa comum, isto
sim! Espero que outros desenvolvam este novo olhar sobre o trabalho do músico,
especialmente os docentes no período de formação dos instrumentistas,
assim como vários profissionais de saúde estão fazendo em diferentes
partes do país, como Exerser, em Belo Horizonte.
|
|
portal - "Nós nas madeiras", um sugestivo nome para um quinteto de sopros; como surgiu tal nome? que tal sua experiência como camerista? | |
Cristina
- Tocar
em um quinteto de sopros é ótimo! Meus colegas são excelentes músicos
e a troca vem de longa data, já que são colegas da própria Escola de
Música. Fizemos um trocadilho com os nós que as madeiras apresentam,
os instrumentos da família das madeiras (e a trompa casa tão bem!) e
os nós nos dedos e dedilhados, que às vezes são inevitáveis! Daí o
nome. Acho música de câmera uma experiência ímpar, a essência de
tocar em grupo, de ser responsável e de aprender a entrosar-se na teia
transparente do conjunto. É um aprendizado e tanto.
|
|
portal - que mais gostaria de relatar? | |
Cristina - Conhecer as informações disponíveis sobre saúde do músico e como fazer uso delas deveria integrar os currículos dos cursos de música nos seus diferentes níveis. Noções básicas de ergonomia podem ajudar na prevenção de riscos ocupacionais e serem aplicados também em outros espaços. Agradeço ao portal a oportunidade de chamar a atenção para este assunto e registro meus votos de longas e saudáveis carreiras aos colegas fagotistas! | |
leia o artigo: Considerações da ergonomia aplicada ao fazer musical |
|