Conversa de fagotista |
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- francisco de assis alves formiga - |
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portal - como se deu a decisão de estudar fagote? |
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Formiga - Eu não tinha escolhido o fagote, eu tocava flauta e todos me diziam que eu deveria trocar de instrumento se quisesse sobreviver... sabe aquela história: "se você balança uma árvore, cai um monte"... e nessa eu resolvi trocar e escolher oboé ou fagote. Quando ia fazer a escolha, vi que ninguém tinha escolhido o fagote e então logo pensei: se só eu vou estudar fagote, vou ter mais atenção do professor... e aí comecei a estudar em abril de 1984 com o Prof. Stanislaw Durek, na época primeiro fagote da orquestra de Minas Gerais.
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portal - fale um pouco mais de sua formação... | |
Formiga
- eu comecei a estudar em 1982 no curso de formação musical, no
Conservatório da Escola de Música, que ficava na Av. Afonso Pena, em
frente ao Palácio das Artes, em Belo Horizonte. Foram quatro anos de
formação e mais seis anos na faculdade, cursando o bacharelado.
Comecei com o Stanislaw Durek, que fugiu do Brasil quando era professor
da Universidade Federal de Minas Gerais... Como fiquei sem professor ia
ao Rio fazer aulas com Noël Devos, ou vinha a São Paulo fazer aulas
(na época) com Sérgio Lima Gonçalves e também com Eduardo Flores,
fagotistas do Teatro Municipal. Quando aconteceu um concurso na UFMG participaram o Benjamin Coelho e o Aloysio Fagerlande e nesta o Benjamin
passou a ser meu professor.
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portal - é às vezes impressionante constatar quantas pessoas são responsáveis pela formação de um fagotista! | |
Formiga
- Além desses professores sempre assisti ou fiz aulas com quem
veio até o Brasil. E aí queria destacar o papel fundamental de Afonso
Venturieri... desde 1994 quando fui fazer o curso de Campos do Jordão,
o Afonso foi uma pessoa que sempre trouxe as novidades que estavam
acontecendo lá fora, alem de trazer material pra todo mundo aqui... eu
tenho tido a oportunidade de trocar idéias com ele todas as vezes que
ele vem ao Brasil, são avaliações de como estamos tocando e ate
avaliações do trabalho que tenho feito com os alunos aqui... eu chego
a ser chato, porque acabo não dando folga para ele.... sobre as
palhetas, a gente sempre avalia a qualidade com pontos negativos e
positivos... Então, fora da escola ou faculdade, o Afonso tem sido um
orientador semestral!
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portal - tendo escolhido o fagote como profissão, considera-se realizado? | |
Formiga
- claro que não... ainda tenho muito a estudar e aprender;
comecei tarde a estudar fagote e a formação é uma coisa que não
acaba. Quem achar que está pronto está ferrado... todos os dias a
gente tem que fazer uma avaliação e recomeçar...mas se tivesse
novamente de escolher um instrumento, eu tornaria a escolher o
fagote...
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portal - a sua dedicação na confecção de palhetas se transformou de certa maneira numa referência entre os fagotistas no Brasil; como encara isso? | |
Formiga
- Esta questão de palhetas sempre me incomodou desde quando
comecei até os dias de hoje. Vi muitas mudanças, seja na cana goivada
que tem hoje muitas medidas diferentes; também muitas falhas...na
facilidade de compra, na internet e até na finalidade última do
produto. Eu sempre considero muito esta questão com o aluno: e cada
situação pede uma palheta especial; eu levo tudo em conta para acertar
nesta questão: se Você toca pouco, se Você toca numa orquestra com
níveis diferenciados, se onde Você toca é quente ou frio demais, se a
sua orquestra é muito exigente, se Você passa muito ou pouco tempo
tocando; daí vamos programando para os dias de hoje.
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portal - sempre mais a máquina está a serviço do homem: palheta feita manualmente ou palheta produto de uma máquina? | |
Formiga
- Palhetas devem ser feitas manualmente e o aluno deve aprender
isso o mais rápido possível; sem a palheta o aluno não toca e pode
até desistir de estudar o instrumento. A questão das máquinas deve
ser bem entendida; elas vão acelerar os processos, mas não finalizam
nada. No final das contas, temos de trabalhar manualmente, cada cana tem
características próprias. Nós até podemos fazer 10 palhetas do mesmo
jeito, mas nem todas vão ter as mesmas respostas e nesta hora a
máquina falha... a única saída é a percepção de quem faz e testa a
palheta. Então, querendo ou não, a máquina continua sendo
secundária; a máquina ajuda, mas não finaliza!
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portal - dicas de palhetas para os desorientados? | |
Formiga - Acho que existem questões com prioridades especiais: | |
*A primeira é a fase da escolha das canas e o processo de montagem (escolha de formas e mandris) | |
**A segunda é a fase da raspagem (inicial) com os devidos tempos de descanso... | |
***A terceira é o trabalho de finalização. | |
Para cada uma dessas fases
existe uma série
de procedimentos a serem executados.
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portal - como é sua relação professor/aluno? | |
Formiga
- Desde 1986 tive a oportunidade de orientar aspirantes a
fagotistas...Comecei com 2 alunos: um deles é o Cláudio Moller (hoje
contrafagotista da OSESP) e daí para frente nunca faltou trabalho nesta
área... Quando vim para São Paulo trabalhei com o Alexandre Silvèrio
por uns 3 anos a daí para a frente ele deslanchou; entramos juntos
para a OSESP; e ele, além disso, teve oportunidade de viajar e estudar
fora. A minha relação com os alunos sempre foi boa, não posso
reclamar... mas a gente tem de ter pulso firme; eu não gosto de perder
tempo, até mesmo porque não tenho tanto tempo livre assim...
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portal - a OSESP é tida no Brasil atualmente como uma orquestra-modelo pela constância das atividades, pela exigência do repertório, pela qualidade alcançada... Como é ser fagotista nessa orquestra? | |
Formiga
- Trabalhar na OSESP acaba sendo uma responsabilidade muito
grande. Existem muitas compensações, mas dá muito trabalho e o stress
é sempre muito grande... Temos acesso a todo material de partituras das
músicas que vão ser tocadas, até três ou quatro semanas antes. Temos
um bom espaço para estudar e uma midioteca com CDs e obras da
programação. Acaba sendo um quartel. Quem chega atrasado leva
advertência e somos muito exigidos: se o maestro percebe que Você não
sabe a sua parte, quase sempre Você é solicitado a tocar sozinho (não
sempre, mas acontece!) aí a gente se sente mal e não adianta reclamar.
A regra é clara: tem que chegar preparado mesmo! E quando temos
maestros convidados, eles nos tratam como qualquer outra boa orquestra
da Europa ou dos Estados Unidos; somos considerados profissionais e
somos exigidos como tal.
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portal - como concilia suas atividades na cidade-turbilhão São Paulo? | |
Formiga
- saio às 7 horas da manhã e volto só à noite... estudo e
faço muitas palhetas; tenho uma hora e meia de almoço e quase todos os
dias temos duas atividades na orquestra. Tenho ainda de arrumar tempo
para pagar minhas contas e, com sorte, achar bancos abertos. Nesta rotina a semana
passa numa piscada de olhos e assim já estamos no meio do ano... e por
aí vai!
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portal - validade dos cursos de férias? | |
Formiga
- Se não fossem os cursos de férias teríamos muito menos
músicos aqui no Brasil (país do samba e axé). O Curso de férias
acaba sendo uma injeção de ânimo, além de motivar a gente em todos
os outros aspectos, como trabalhar músicas que normalmente não
tocaríamos, conhecer artistas diferentes e neste aspecto o intercâmbio
acaba sendo vital para artistas de um país de dimensões continentais
como o nosso, ou mesmo no âmbito entre continentes. Também vale para
fazer uma comparação e avaliação pessoal!
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portal - um fato curioso na sua atividade como fagotista? | |
Formiga
- eu uso a orquestra como laboratório para melhorar as palhetas
e preparar alunos usando os obstáculos que eu mesmo encontro no dia a
dia.
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portal - o seu sobrenome nunca causou algum constrangimentos ou alguma anedota? | |
Formiga
- eu nunca tive encanação com meu sobrenome. Eu acho que na
Paraíba tem um clarinetista com sobrenome Formiga; deve ser parente...
levo numa boa, mesmo quando fazem alguma caricatura de mim enfocando o
sobrenome! (ver caricatura)
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portal - planos futuros? algum CD? cursos? | |
Formiga
- sempre tenho: é o que motiva a gente a continuar vivo! CD?
Quero fazer acontecer alguns projetos, vamos esperar para ver. Curso?
Sempre que puder quero ir a algum curso como aluno; além disso todos os
anos tenho trabalhado em cursos de férias como professor, tanto no
início como no meio do ano: Poços de Caldas, MG, Campos dos Goytacazes,
RJ, Oficina de Curitiba, PR. E sempre que possível toco com outros grupos.
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portal - algo mais? | |
Formiga - acho que aqui no Brasil temos uma carência muito grande na área da formação técnica e artística e que o portal do fagote (embora pouca gente saiba ou tenha consciência) está sendo uma dessas ferramentas de comunicação, muito útil, independente se quem a usa é iniciante ou profissional, nem precisa necessariamente ser fagotista... Pensando nestes termos tenho alguma coisa incluída no portal e, caso alguém se interesse, pode ler e/ou ver mais em: | |
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