obras de compositores brasileiros

para fagote solo

dissertação de mestrado, UNI-RIO, 1999

ARIANE PETRI

 

BERNSTEIN, GUILHERME (*1968, Rio de Janeiro, RJ)

Sonatina para fagote solo (maio de 1999, Rio de Janeiro)

Obra dedicada a Ariane Petri

Estreada por Ariane Petri, em 29/06/1999, Universidade do Rio de Janeiro

Partitura computarizada, não editada

Em um movimento: Allegretto

Duração: 4’45’’

A obra, em idioma tonal livre, segue, ainda que de maneira não conservadora, uma estrutura tradicional - a forma sonata, em apenas um movimento. O primeiro grupo temático (c. 1-10), em f deciso, expõe uma frase com seus dois membros (c. 1-4 e 5-8.2), seguidos de uma expansão de dois compassos. Esta expansão também explora a célula de três semicolcheias unidirecionais (com duas segundas, ou com uma segunda e uma terça), seqüência intervalar formadora do primeiro grupo temático e importante para a peça toda.

Exemplo 39: c. 1-4 com marcações da célula

 

       

 

Exemplo 40: c. 9/10

 

O segundo grupo temático (c. 11-25) contém dois elementos, o segundo (veja por exemplo c. 13- 16), contrastante com o primeiro pela dinâmica p espressivo, pela predominância do intervalo de quarta, pelas ligaduras extensas e pelo uso de colcheias ao invés de semicolcheias, o que resulta em diminuição da densidade horizontal da textura. O primeiro elemento (c. 11/12 e 17/18) introduz e ‘interrompe’ o segundo. Pela distância intervalar, as notas superiores desse elemento se destacam e agrupam as semicolcheias em 3+3+2/16. Esta forma de agrupamento aparece com freqüência na peça, qualquer que seja a seção:

Ex. 41: c. 11 (no 2º grupo temático)     Ex. 42: c. 10 (expansão do 1º grupo temático)

              

Ainda na exposição, como é comum na forma sonata, segue uma seção que desenvolve elementos dos dois grupos temáticos apresentados (c. 26-44). Do segundo é aproveitada a célula das semicolcheias em saltos grandes, agrupadas em 3+3+2 e, do primeiro, a célula de três semicolcheias unidirecionais, em várias transformações, encadeada uma à outra.

Antecedido pela transição, o Poco meno mosso (c. 45-49), o desenvolvimento tem início no c. 50, estendendo-se até o c. 108. Segundo o compositor, o trecho entre os c. 50 e 64 não precisa ser tocado rigidamente no ritmo e pode ganhar algo de um improviso. A partir do animando (c. 65), o trabalho de desenvolvimento se dá basicamente pelo confronto da célula de três semicolcheias em várias transformações com o ritmo de 3+3+2 em saltos grandes. Novidade é a aplicação deste ritmo em multifônicos. Bernstein escolheu dois multifônicos, o primeiro (segundo os experimentos de Bartolozzi) com uma densidade maior (maior número de intervalos pequenos) nos graves, outro nos agudos. No c. 86.2 inicia-se um jogo entre o ostinato de cinco (posteriormente somente quatro) semicolcheias sol-mi-mi-sol(-mi) e as seqüências ascendentes da célula de três semicolcheias. Enquanto o ostinato, pela insistência, quer trazer a harmonia para dó maior, as seqüências se apresentam a cada vez em outro polo tonal, todos afastados de dó, dificultando assim a volta para dó, centro tonal da exposição.

Na reexposição (c. 109-162), em dó, são invertidas partes do primeiro grupo temático e inseridos novos elementos: os c. 116-121, que sugerem um recitativo, um contraponto (pedal) ao segundo tema (c. 123,128,129) e um glissando (c. 143) de duas oitavas e meia de extensão.83 A ‘ameaça’ ao dó continua, mas a tendência para outros polos é vencida, culminando na retomada do motivo inicial do primeiro tema e um arpejo sobre dó.

Um detalhe de notação: existem compassos com a melodia e um contraponto (definindo a harmonia) anotados conforme a prática comum em obras para instrumento de cordas. Como no fagote não é possível produzir duas notas ao mesmo tempo, estes intervalos devem ser arpejados. O resultado sonoro alcançado é o de uma appoggiatura, quase que um elemento ornamental. Os multifônicos são anotados em forma de acorde com resultado sonoro aproximado e como um dedilhado, segundo o sistema de Bartolozzi.

Do ponto de vista técnico, a articulação e a acentuação são bastante diferenciadas, inclusive em passagens de semicolcheias, enquanto as mudanças de dinâmica geralmente se limitam ao início de frases e raramente ocorrem dentro delas. A extensão é agradável (sib 0 até si natural 3), os saltos nunca são maiores do que uma oitava, as segundas e terças predominam. Entre as técnicas pouco convencionais são usados dois sons multifônicos em staccato e o glissando. Há várias mudanças de compasso, entre 2/4, 1/8, 4+1/8 e 1/4, e diversos deslocamentos de grupos com acentos. É preciso ter uma embocadura flexível para conseguir mudança rápida para os multifônicos e uma resistência prolongada, porque as pausas são poucas. A peça foi avaliada no nível de dificuldade avançado I.

O compositor alertou que a alteração do lá, na exposição (c. 2), para lá bemol, na reexposição (c. 110, depois da inversão livre do primeiro compasso do tema), é intencional e não deve ser julgada como erro. Segundo o compositor, é mais importante fazer entender o grupo de quiálteras de fusas descendentes no c. 12 como um gesto de expulsão ou de terminação um pouco violenta, do que definir corretamente cada nota.

Esta obra é uma das composições que foram motivadas por nossa pesquisa. Bernstein ganhou, em 1999, uma das bolsas RioArte para a composição de uma ópera de câmara, ‘O caixeiro da taverna’. Para o ano 2000, foi um entre os compositores escolhidos para musicar documentos brasileiros históricos, estando programada sua apresentação para recitais no Centro Cultural do Banco do Brasil no Rio de Janeiro.

 
83 Como informou Bernstein, a fermata acima do glissando quer indicar que o intérprete deve tomar o tempo necessário para a ligação entre as duas notas distantes, mas de forma nenhuma significa término de uma seção e início de outra.

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