obras de compositores brasileiros

para fagote solo

dissertação de mestrado, UNI-RIO, 1999

ARIANE PETRI

 

LACERDA, OSVALDO (*1927, São Paulo, SP)

Quatro Variações e Fugueta sobre um Tema Infantil (maio de 1974, São Paulo)

Obra sem dedicatória

A data da primeira audição é desconhecida pelo compositor, “graças ao mau costume de alguns intérpretes não se comunicarem com os compositores (vivos, naturalmente...)”64. Noël Devos lembra que apresentou a obra na TV Globo, porém, também não sabe dizer se esta foi a primeira audição da obra

Obra existente em duas formas de apresentação:

  • em partitura editada depois de uma revisão realizada em 1980 pela editora Novas Metas: São Paulo, 1981, No. 50010 (atividades encerradas)

  • em manuscrito, contendo a forma anterior à revisão

Tema - Andantino (semínima=92)

Var. I - Lo stesso tempo (semínima=92)

Var. II - Moderato (semínima=108)

Var. III - Lo stesso tempo (semínima=108)

Var. IV - Andantino (semínima=96)

Fuga - Moderato (semínima=92-100)

duração: 4’00’’

Nas quatro variações e na fuga, o tema Terezinha de Jesus do folclore brasileiro é submetido a diversos procedimentos, como fragmentação, elaborações rítmicas, harmônicas e melódicas. As variações, separadas somente por barras duplas ou fermatas, recebem todas um caráter próprio devido à ênfase melódica ou rítmica (ou ambas) no processo de variação. As fórmulas de compasso e o andamento também mudam. À tonalidade lá menor do tema é acrescentado cromatismo, ora mais, ora menos, em todas as variações. O tema é usado mais como fonte de inspiração do que com o propósito de criar variações com referências óbvias a ele.

Quando comparado à versão da canção folclórica, o tema apresenta pequenas alterações de fraseado e troca de semínimas por duas colcheias. Na variação 1, com âmbito melódico aumentado e ritmicamente mais movimentada, colcheias preenchem cromaticamente o lugar de semínimas. A referência temática é explícita somente nos primeiros cinco compassos. A variação 2 trabalha com fragmentação, separando a voz cromática superior da inferior, esta última construída com saltos que guardam entre si relações cromáticas e cujas notas são ligadas duas a duas. “Para melhor se obter a impressão de duas vozes dialogando, procure-se contrastar, o mais possível, a sonoridade da ‘voz’ inferior (f, deciso) com a da superior (pp, leggiero).”65 Na variação 2 podem ser estabelecidas mais referências à variação 1 do que ao tema, fato pelo qual entendemos esta seção como uma derivação da variação 1 e não do tema. A variação 3 é caracterizada pela uniformidade rítmica das colcheias em staccato, no compasso 12/8. O tema é apresentado duas vezes: na segunda, apenas parte dele uma oitava abaixo e sem as appoggiaturas dos quatro compassos iniciais. O agrupamento dos motivos, na variação 4, é paralelo aos do tema, enquanto as notas da melodia são seguidas livremente. Entram reminiscências das variações 3 e 1.

A fuga a duas vozes, somente no título da peça chamada de fugueta, tem o desafio de criar a impressão de simultaneidade de dois contrapontos num instrumento no qual é impossível fazer soar duas notas ao mesmo tempo. Por isso, o compositor diferencia com cuidado dinâmica, articulação, direção e registros das vozes durante o diálogo. A quarta exposição do sujeito - também uma variação do início do tema - é um Stretto no qual se compactam duas apresentações do sujeito com uma distância de apenas uma semínima.

Na fuga observam-se saltos em grande quantidade, de âmbito maior que duas oitavas e o diálogo entre as duas vozes envolve mudanças súbitas e extremas de dinâmica, fatos que elevam o grau de dificuldade para o nível avançado I. A extensão não passa do si 3.

A partitura em manuscrito representa a versão anterior à revisão realizada em 1980. As diferenças entre as duas partituras são grandes, indo desde pequenos detalhes como fraseado, articulação ou notas enarmonizadas, até recomposição de variações. Na primeira versão, a variação 3 tem grande semelhança com a da revisão, porém não leva as indicações de staccato e de crescendo/decrescendo, não usa appoggiaturas, apresenta notas e cesuras diferentes e não faz a reexposição da primeira seção. Já a variação 4 do original foi completamente recomposta. O tema da fuga é igual nas duas versões, os contracantos, porém, foram mudados. Os interlúdios novos são mais movimentados e trabalham com mais cromatismo. Na coda da versão antiga reaparece, como reminiscência, a primeira meia-frase da canção Terezinha de Jesus, excluída na nova Num todo, a versão nova ficou formalmente mais complexa, aproveitando mais as potencialidades do fagote sem torná-la mais difícil. Porém, artisticamente, a antiga é igualmente expressiva.

 

64 LACERDA, Osvaldo, em carta enviada para nós em 22/03/1999.

65 Recomendação do compositor na partitura, no pé de pagina.

 

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